Desertor russo revela detalhes da rígida segurança de Putin e nega doença grave

Ex-capitão da guarda federal, que fugiu durante viagem ao exterior, chama o líder russo de "paranoico" e "criminoso de guerra"

O presidente russo Vladimir Putin é obcecado pela própria segurança e por qualquer informação que julgue vital para a Rússia. Ele mudou de comportamento nos últimos anos, tendo se isolado totalmente do resto do mundo. E não existe qualquer indício de que tenha a saúde comprometida, como muito tem se especulado. Todas essas afirmações foram feitas por Gleb Karakulov, ex-capitão do Serviço da Guarda Federal (FGS, na sigla em inglês), que desertou durante viagem ao Cazaquistão e concedeu entrevista ao site investigativo Dossier Center.

Karakulov serviu ao FGS como engenheiro entre 2009 e 2022. A equipe em que atuava era encarregada de criptografar as comunicações dos principais funcionários do Estado, entre eles o presidente e o primeiro-ministro, cargo ocupado desde 2020 por Mikhail Mishustin. Embora tenha deixado a agência de forma compulsória ao desertar, no ano passado, ainda fala da função no presente.

“Faço parte da unidade que chamamos ‘unidade de campo’, que permite a comunicação do presidente e do primeiro-ministro durante suas viagens de negócios, ou seja, em toda a Rússia e no exterior”, relatou o homem, que teve as informações pessoais e profissionais checadas pela reportagem, atestando assim a veracidade ao menos parcial das alegações.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin (Foto: Wikimedia Commons)
Crise de consciência

A decisão de abandonar a Rússia e o trabalho no governo, segundo ele, surgiu ao notar “que não estava pronto para fazer acordos com minha consciência enquanto fazia meu trabalho”. Faltavam apenas dois anos para se ele se aposentar, mas optou por um plano drástico quando estourou a guerra na Ucrânia.

“Eu não poderia ficar a serviço desse presidente. Eu o considero um criminoso de guerra. Embora eu não esteja diretamente envolvido na guerra, não é mais possível cumprir as ordens criminosas ou permanecer a serviço dele”, disse o entrevistado, que diz ter aproveitado uma viagem de negócios a Astana, a capital cazaque, para fugir com a mulher e a filha rumo a Istambul.

As duas o seguiram até o Cazaquistão, em outubro do ano passado, após “encaixarem toda a nossa vida em três malas. Então, ele aguardou uma boa oportunidade para despistar os colegas de trabalho, e assim o trio conseguiu pegar um voo rumo à Turquia. “Tive que desviar um pouco a atenção deles (os demais agentes da FGS). Eles devem ter ficado muito zangados”. 

As informações verificadas pela reportagem atestam as alegações de Karakulov, que saiu do Cazaquistão no dia 14 de outubro em um voo rumo a Istambul. Os dados profissionais obtidos pelo Dossier Center também batem com o que disse o informante, que inclusive vem tendo seus dados pessoais excluídos dos bancos de dados por Moscou, sinal de que ele não é mais considerado uma pessoa confiável pelo Estado.

Paranoia de segurança

Ao longo dos 13 anos em que serviu a Putin, o ex-capitão presenciou a intensa rotina de segurança do presidente, cercada de cautela tanto dentro quanto fora da Rússia. “Há questões de segurança física e de proteção, além da organização de todos os eventos envolvendo altos funcionários”, contou, citando o caso dos chefs que servem ao presidente e ao primeiro-ministro. “Todos os alimentos são inspecionados, existindo um serviço especial para fazer estes testes”.

Outra prática que se tornou habitual devido à pandemia de Covid-19 é o isolamento do líder e de quem venha a ter contato com ele. “Temos que observar uma quarentena rígida por duas semanas antes de qualquer evento, mesmo aqueles com duração de 15 a 20 minutos”, contou, acrescentando que apenas um pequeno grupo de pessoas, estas consideradas “limpas”, trabalha na sala do presidente.

A fim de preservar a segurança digital pessoal e nacional, o chefe do Kremlin não usa celular ou internet. Há um funcionário encarregado de checar as informações online necessárias e imprimi-las. “Em todos os meus anos de serviço, não o vi nenhuma vez com celular”, afirmou o desertor. “Ele só recebe informações de seu círculo mais próximo, o que significa que vive em um vácuo de informações”.

Esse distanciamento do resto do mundo é uma característica recente. Karakulov afirma que o presidente mudou muito nos últimos anos. “São duas pessoas diferentes, em termos de comportamento. Quando o ex-chefe do FSB (Serviço Federal de Segurança) se tornou primeiro-ministro e posteriormente presidente, ele era enérgico e ativo”, disse, recordando a trajetória política de Putin. “Agora, ele se isolou do mundo com todos os tipos de barreiras, a quarentena, o vácuo de informações”.

Informação é um obsessão de Putin, que adota cautela máxima ao tratar dos assuntos de Estado. Isso se torna um desafio nas viagens ao exterior, nas quais a equipe leva uma cabine vedada com cerca de 2,5 metros de altura. “Dentro há uma estação de trabalho e um telefone, que pode ser usado para falar sem medo de que essas conversas sejam ouvidas ou lidas por inteligência estrangeira”, contou o ex-capitão.

Em meio à guerra, cresceu o medo de ser alvo de atentados mesmo em solo estrangeiro. Nesse sentido, Karakulov conta que Putin passou a adotar, quando possível, um abrigo antiaéreo como sala de reuniões. Ocorreu, por exemplo, na embaixada russa no Cazaquistão.

Para o desertor, é uma medida exagerada. “É uma espécie de paranoia. Você está em solo de outro Estado. O Estado é o convocador do encontro, oferecendo toda a segurança. O próprio território da embaixada também é vigiado”, analisou.

Putin está doente?

As revelações feitas pelo informante ajudam a jogar luz também sobre um tema que gera constantes especulações, inclusive de serviços de inteligência estrangeiros: a saúde de Putin.

E, ao contrário do que se tem afirmado ultimamente, Karakulov diz que o presidente da Rússia “está em melhor saúde do que muitas outras pessoas de sua idade”.

Nos últimos anos, surgiram informações diversas, de que Putin está com câncer, se submeteu a uma cirurgia abdominal e sobreviveu a uma tentativa de assassinato. Todas desmentidas com veemência por Moscou, negativas com as quais o desertor diz concordar.

“Se ele tiver algum problema de saúde, deve ser devido à sua idade. Bem, ele provavelmente os tem. Mas não é nada muito sério, eu acho”, afirmou o ex-membro da FGS, que relatou poucas ocasiões em que idas ao exterior foram canceladas ao longo de seus 13 anos de serviço. “Dado o fato de terem ocorrido muitas viagens de negócios, apenas uma ou duas foram canceladas por causa de sua saúde”.

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