Grávida, vereadora investigada por comentar post no Twitter deixa a Rússia

Khelga Pirogova foi enquadrada na nova legislação que pune cidadãos que "desacreditam o uso das forças armadas"

Acusada pela Justiça da Rússia de violar a lei que pune quem “desacredita o uso das forças armadas” ou divulga “informações falsas” sobre a “operação militar especial” na Ucrânia, a russa Khelga Pirogova fugiu da cidade de Novosibirsk, onde vivia e atuava como vereadora independente em um conselho legislativo municipal. Segundo informações da rede Radio Free Europe, ela conseguiu deixar o país e chegar à vizinha Geórgia.

Khelga passou a ser investigada devido a um comentário sarcástico que fez em post no Twitter sobre russos de baixa renda que agradecem ao governo por arcar com os custos de funerais de parentes mortos no conflito. A postagem foi apagada, mas viralizou por conta de uma captura de tela.

Khelga Pirogova está esperando seu primeiro filho (Foto: Khelga Pirogova/Reprodução Twitter)

Ela contou à reportagem que foi informada por amigos sobre a investigação. “Tudo aconteceu muito rapidamente”, relatou por telefone, acrescentando que não tinha intenção de ir embora quando ainda só respondia pela penalidade administrativa. “Eu teria ficado. Eu estava pronta para interrogatório e prisão”, disse a mulher de 33 anos, que está grávida do primeiro filho.

A lei assinada por Vladimir Putin no início de março aplica pesadas multas quem desacredita o exército, que podem chegar a 300 mil rublos (R$ 16,9 mil). Ela vale para quem divulga “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.

“Então, a escolha foi entre meu desejo de lutar contra as acusações e a minha liberdade e a do meu filho”, disse ela.

Khelga foi eleita para o Conselho da Cidade de Novosibirsk com o apoio da iniciativa “Voto Inteligente” do líder político da oposição Alexei Navalny, em 2020. O método foi planejado para diminuir o domínio político do partido governista, Rússia Unida, e derrotar figuras ligadas ao chefe do Kremlin no pleito parlamentar.

Quem denunciou o tuíte de Khelga foi o ex-vice-presidente do Conselho da Cidade de Novosibirsk, Andrei Panfyorov, membro do Rússia Unida.

Porém, ela acredita que sua mensagem na rede social foi apenas um pretexto para sua condenação. “O único objetivo deles é expulsar do país todas as pessoas de mentalidade opositora”, disse ela à reportagem. “Não importa que pretexto eles usem”.

Na segunda-feira (25), um professor na Sibéria foi autuado pela mesma lei e levou multa de 30 mil rublos (cerca de R$ 2,8 mil) por reagir com emojis a publicações antiguerra na internet.

Por que isso importa?

Na Rússia, protestar contra o governo já não era uma tarefa fácil antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Os protestos coletivos desapareceram das ruas desde que o governo passou a usar a pandemia de Covid-19 como argumento para punir grandes manifestações, sob a alegação de que o acúmulo de pessoas fere as normas sanitárias. Assim, tornou-se comum ver pessoas solitárias erguendo cartazes com frases contra o governo.

Desde a invasão do país vizinho por tropas russas, no dia 24 de fevereiro, o desafio dos opositores do presidente Vladimir Putin aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado e o aumento da violência policial para silenciar os críticos. Uma lei do início de março, com foco na guerra, pune quem “desacredita o uso das forças armadas”.

Dentro dessa severa nova legislação, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 16,9 mil). A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.

Apesar dos riscos, muitos russos enfrentam a repressão e a possibilidade de serem presos e protestam de diversas maneiras para deixar clara sua oposição ao conflito.

Em Moscou, no dia 15 de março, ignorando todos esses riscos, uma mulher escolheu como ponto de protesto a Catedral do Cristo Salvador. Em um cartaz, reproduziu o sexto mandamento segundo a Igreja Ortodoxa: “Não matarás”. Outra mulher desafiou a censura e se posicionou em uma esquina próxima do Kremlin com um cartaz que dizia “Não à guerra”. Ambas foram retiradas por policiais e colocadas em um camburão menos de dez minutos depois de exibirem os cartazes.

Artista russa é presa por protestar contra a guerra nas etiquetas de preços
Jovem russa exibe cartaz com a frase “não matarás” em protesto antiguerra (Foto: reprodução/Twitter)

Yevgenia Isayeva, uma artista e ativista da cidade russa de São Petesburgo, optou por um protesto mais gráfico no dia 27 de março. Com um vestido branco, ela se posicionou em frente à prefeitura da cidade e, então, despejou tinta vermelha sobre a roupa, enquanto dizia repetidamente: “Meu coração sangra, meu coração sangra…”. Também teve poucos minutos para se manifestar antes de ser retirada à força.

Há, ainda, os manifestantes que querem deixar sua mensagens sem expor a própria imagem. Casos dos grafiteiros que têm feito surgir nos muros de cidades russas mensagens antiguerra. Também em 27 de março, dois homens foram presos na cidade de Tula, no sul do país, acusados de grafitar mensagens como “Derrubem Putin” e “Parem Putin”.

Coletivamente, um jeito diferente de protestar tem sido através de mensagens escritas em cédulas e moedas de rublos. O fenômeno passou a ser compartilhado em plataformas como TwitterTelegram e Reddit. As mensagens são normalmente escritas à mão, sendo as frases mais comuns “não à guerra” e “russos contra a guerra”.

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