Como a Ucrânia perdeu seu arsenal nuclear para a Rússia após o fim da União Soviética?

Promessas não cumpridas por Moscou e até a pressão dos EUA levaram Kiev a abrir mão de sua parte no poderoso arsenal soviético

Na década de 1990, a Ucrânia possuía o terceiro maior arsenal nuclear do mundo, herdado da União Soviética. Além dos mísseis estratégicos, o país também controlava milhares de armas nucleares táticas, projetadas para uso no campo de batalha. Mas essa realidade mudou quando Kiev cedeu essas armas à Rússia, um movimento que alguns consideram um erro histórico. As informações são da rede Radio Free Europe (RFE).

As armas nucleares estratégicas são aquelas com alto poder de destruição, como as que os EUA usaram contra Hiroshima e Nagasaki em 1945. Por sua vez, as táticas são menos poderosas e voltadas a neutralizar posições inimigas.

O general Oleksandr Skipalsky, ex-chefe da inteligência militar ucraniana, lembra que, após a dissolução da União Soviética, a Rússia estava determinada a remover todas as armas nucleares táticas do território ucraniano. “Isso foi deliberadamente planejado para privar a Ucrânia dos dispositivos nucleares mais simples, que não exigiam sistemas complexos de armazenamento e manutenção”, afirmou.

Míssil russo com capacidade nuclear (Foto: facebook.com/mod.mil.rus)

Enquanto os mísseis intercontinentais demandavam altos custos de manutenção, as armas táticas podiam ser armazenadas por décadas com pouca intervenção. O governo ucraniano tentou interromper a transferência desses armamentos, chegando a elaborar um relatório que recomendava o cancelamento da entrega. O documento foi entregue ao então presidente Leonid Kravchuk, mas a retirada das ogivas prosseguiu sem explicação oficial.

Segundo Skipalsky, as equipes russas atuaram rapidamente e sem interrupção para remover as ogivas. No fim do processo, ele afirma que os russos comemoravam: “Deixamos os ucranianos com os ossos e levamos a carne!”.

A Ucrânia solicitou monitoramento do destino final das ogivas, que supostamente seriam destruídas na Rússia. No entanto, conforme relata Skipalsky, “não permitiram que nossos observadores acompanhassem o processo, apenas mostraram um prédio e disseram: ‘Esta é a nossa instalação de processamento’. Mas ninguém foi autorizado a entrar”.

Outro fator que pesou na decisão foi a pressão dos Estados Unidos. Moscou alegava que a falta de controle sobre as armas poderia resultar em terrorismo nuclear, o que fez Washington pressionar Kiev para aceitar a transferência. As ogivas estavam armazenadas em diversas regiões da Ucrânia, incluindo a Crimeia, e houve resistência local à remoção.

Na época, entretanto, muitas estruturas militares ainda mantinham vínculos com Moscou, e as ordens foram seguidas sem questionamentos. Havia, ainda, a ideia de que os antigos exércitos soviéticos poderiam se unir sob uma única estrutura, o que justificaria a centralização das armas na Rússia. Esse cenário nunca se concretizou, deixando a Ucrânia sem qualquer arsenal nuclear.

Quando chegou a vez dos mísseis estratégicos, Kiev tentou resistir, mas sofreu pressão intensa para entregá-los ou destruí-los. Em 2023, o ex-presidente dos EUA Bill Clinton admitiu que a desnuclearização da Ucrânia pode ter sido um erro, considerando a guerra em curso no país desde 2014.Na visão de Skipalsky, a perda do arsenal nuclear foi um erro estratégico que acabou por viabilizar o conflito com a Rússia. “Qualquer pessoa com bom senso sabe que armas nucleares são, antes de tudo, um elemento de dissuasão e segurança”, afirmou.

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