Milhares de crianças ucranianas foram levadas para Belarus, aponta relatório

Menores enviados ao território belarusso partiram de ao menos 17 cidades em regiões ucranianas parcialmente ocupadas

Belarus recebeu em seu território mais de 2,4 mil crianças ucranianas desde que a guerra na Ucrânia teve início, no dia 24 de fevereiro de 2022. É o que aponta um relatório da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, cujo conteúdo foi reproduzido pela agência Reuters.

Embora as denúncias contra Belarus nesse sentido não sejam novas, o estudo realizado pelo Laboratório de Investigação Humanitária da Escola de Saúde Pública de Yale, financiado pelo Departamento de Estado norte-americano, é o mais extenso até agora.

As crianças enviadas ao território belarusso partiram de ao menos 17 cidades nas regiões ucranianas de Donetsk, Luhansk, Kherson e Zaporizhzhya, todas parcialmente ocupadas por forças russas. O principal destino é um centro infantil em Dubrava, na região de Minsk, com outros 12 estabelecimentos tendo igualmente recebido menores em Belarus.

“O esforço sistemático da Rússia para identificar, recolher, transportar e reeducar as crianças da Ucrânia foi facilitado por Belarus”, afirma o relatório. “O governo federal da Rússia e o regime de Belarus têm trabalhado juntos para coordenar e financiar o movimento de crianças da Ucrânia ocupada pela Rússia, através da Rússia, para Belarus.”

Família evacuada de Irpin, região de Kiev, Ucrânia, março de 2022 (Foto: Julia Kochetova/Unicef)

O documento cita que algumas crianças recebem treinamento militar em Belarus, conduzidos pelos serviços de segurança interna belarussos.

Minsk já havia admitido ter recebido crianças ucranianas, mas em números drasticamente inferiores. Em setembro, o governo belarusso disse que 48 crianças haviam chegado ao país, provenientes das mesmas regiões citadas agora no estudo de Yale.

As autoridades locais não deram maiores detalhes sobre as crianças, se são órfãs ou se foram levadas com ou sem aval dos familiares. Minsk disse apenas que em Belarus elas realizariam tratamento de saúde, argumento que já foi usado em outra ocasião semelhante.

Em junho, Dzmitry Shautsou, secretário-geral da Cruz Vermelha belarussa, também havia confirmado a participação do país no processo de transferência de menores coordenado por Moscou. Na ocasião, ele usou o mesmo argumento de que as crianças vão a Belarus para fins de “melhorias de saúde”.

E tudo ocorre com a aprovação do líder belarusso Alexander Lukashenko. “O presidente, apesar da pressão externa, disse que este importante projeto humanitário deveria continuar”, disse à época Alexei Talai, chefe de uma instituição de caridade local que coordena o processo.

Crime de guerra e genocídio

A deportação em massa forçada de pessoas durante um conflito é classificada pelo Direito Internacional Humanitário como um crime de guerra. A transferência forçada de crianças, particularmente, configura um ato genocida. No caso da guerra da Ucrânia, tais denúncias surgiram ainda nos primeiros dias de combate e desde então vêm aumentando.

Em junho de 2022, menos de quatro meses após a invasão russa, a então alta comissária da ONU (Organização das Nações Unidas) para os direitos humanos, Michelle Bachelet, disse que seu escritório investigava tais alegações. Ela destacou a suspeita de que crianças ucranianas órfãs vinham sendo adotadas por famílias russas sem o devido procedimento legal e citou relatos de que a Rússia estava “modificando a legislação existente para facilitar o andamento das adoções” em Donetsk e Luhansk. 

Em fevereiro deste ano, o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, usou a palavra “genocídio” para definir a abdução de crianças ucranianas durante a guerra. Ele se manifestou em mensagem de vídeo exibida em sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

“O crime mais assustador é que a Rússia rouba crianças ucranianas”, disse Kuleba no evento realizado em Genebra, na Suíça, acrescentando que tais ações constituem “provavelmente a maior deportação forçada da história moderna”. E sentenciou: “Este é um crime genocida.”

A denúncia foi reforçada por Annalena Baerbock, ministra das Relações Exteriores da Alemanha. “O que poderia ser mais desprezível do que tirar as crianças de suas casas, longe de seus amigos, de seus entes queridos?”, questionou ela na mesma sessão do Conselho.

A chefe da diplomacia alemã citou o caso de 15 crianças que teriam sido levadas de Kherson ainda no início da guerra, sendo que a mais jovem tinha nove anos à época. “Não vamos descansar até que todas essas crianças estejam em casa”, afirmou a ministra. “Porque os direitos das crianças são direitos humanos, e os direitos humanos são universais.”

Foram tais denúncias que levaram o TPI a emitir um mandado de prisão contra o presidente russo Vladimir Putin e Maria Alekseyevna Lvova-Belova, Comissária para os Direitos da Criança no gabinete dele. De acordo com a corte, os crimes que motivaram os mandados “teriam sido cometidos em território ucraniano ocupado pelo menos desde 24 de fevereiro de 2022”, data da invasão russa.

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