O que Putin realmente quer

Artigo diz que o que o presidente russo mais almeja ao negociar com Donald Trump é ser tratado como um parceiro igualitário

Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site Politico

Por Andrei Soldatov e Irina Borogan

Os primeiros passos do presidente dos EUA, Donald Trump, para fechar um acordo na Ucrânia foram recebidos com uma tempestade de emoções em Moscou.

Nunca antes a mídia russa citou seus equivalentes ocidentais tão extensivamente. Afinal, nos últimos três anos, a sociedade russa foi instruída a se afastar do traiçoeiro e decadente Ocidente e olhar para o Oriente — ou seja, China e Coreia do Norte. E, ainda assim, até mesmo o diário mais influente do país, Kommersant — tipicamente conhecido por seu tom razoável e racional — publicou a manchete “O triunfo de Putin” em sua análise da cobertura internacional em torno do telefonema de Trump com o presidente russo.

Mas há uma razão para essa mudança repentina.

A mensagem de Washington agora se alinha com a visão de mundo do Kremlin: Trump, o poderoso chefão americano, se sentou em frente ao barão do crime Vladimir Putin — menos poderoso do que antes, mas ainda mais forte — e eles decidirão o que fazer com a Ucrânia.

O Kremlin vê a ação de Trump como uma resposta correta à demanda de Moscou de respeitar Putin como um parceiro igual, bem como o reconhecimento público de que a Ucrânia e a Europa devem ter um papel subordinado nas negociações. Ele acredita que a Europa — liberal e hipocritamente fixada no Estado de Direito — deve se ajustar ao seu verdadeiro lugar neste admirável mundo novo: o de um ator coadjuvante no drama dos homens fortes.

Não há espaço para o direito internacional nessa narrativa primitiva do século XIX. E o papel da Ucrânia é reduzido ao de um cliente ou Estado falido na folha de pagamento dos EUA, diante da realidade de retribuir o apoio militar e econômico que recebeu durante a guerra e conceder aos EUA direitos de extrair seus recursos naturais, incluindo metais de terras raras — tudo totalmente compreensível da perspectiva de Moscou.

O resultado prático que o Kremlin espera de tudo isso é ganhar alguns territórios ucranianos — as quatro regiões que ele anexou, assim como as partes das regiões de Donetsk e Luhansk que ainda não foram ocupadas. Isso, junto com a remoção do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, é o que o Kremlin venderia ao seu povo como uma vitória.

As exigências são táticas e simbólicas — a cabeça de Zelensky, o reconhecimento dos avanços da Rússia em território ucraniano e o ponto final em qualquer discussão sobre a adesão da Ucrânia à Otan (organização do tratado do Atlântico Norte).

No entanto, esse cenário ainda está muito longe do controle russo completo sobre a Ucrânia, ou de uma mudança significativa na posição da Rússia na Europa. Parece uma solução mais temporária do que Moscou gostaria — ou, como a maioria dos praticantes influentes de política externa do Kremlin admite, não é Yalta.

Os presidentes dos EUA, Donald Trump, e da Rússia, Vladimir Putin, em julho de 2018 (Foto: Casa Branca/Flickr)

Mas a verdade é que esse acordo não tem a intenção de levar a uma paz sustentável — esse nunca foi o objetivo. Trump pode acreditar em sua segunda revolução americana, mas seus interlocutores em Moscou não. Eles estão muito mais convencidos da indestrutibilidade do “deep state” do que qualquer teórico da conspiração nos EUA. E eles acreditam que esse “deep state” sempre foi, e sempre será, hostil à Rússia.

Na ausência de qualquer ideologia real, o Kremlin fez do ressentimento seu credo — uma mistura de orgulho no antigo império russo, seja sob czares ou comissários soviéticos, e um forte senso de queixa e injustiça em relação ao Ocidente traiçoeiro. E, como qualquer ideologia, ela vem com uma narrativa clara sobre o que deu errado e quem é o culpado.

Uma parte integrante dessa mentalidade é um forte senso de história, entendido como uma coleção de séculos de queixas, levando à crença amplamente difundida de que a Rússia está condenada a lutar perpetuamente contra o Ocidente, de uma forma ou de outra, até que um lado alcance a vitória total. E o Kremlin tem certeza de que o Ocidente sempre esteve atrás da destruição completa da Rússia, começando com os cruzados enviados pelo Papa para invadir a Rússia Ortodoxa no século XIII.

Em suma, a paz real com o Ocidente é inatingível; apenas interlúdios periódicos são possíveis. E a Rússia, sempre uma fortaleza sitiada, não pode ter verdadeiros aliados. A famosa frase atribuída ao Czar Alexandre III no final do século XIX — que “a Rússia tem apenas dois aliados, as Forças Armadas e a Marinha” — foi citada orgulhosamente e incessantemente, e ressoa profundamente com Putin.

Como consequência dessa narrativa, a Rússia também não se sente realmente um pária mundial — não apenas pelo apoio que recebe da China, mas porque suas elites não acreditam no conceito de verdadeiros aliados ou nos tratados de longa data que tais relacionamentos permitem.

É uma visão muito sombria do mundo. Uma que assume que Putin tentaria usar Trump para ganhar uma vantagem — optando por um movimento tático, já que a paz estratégica é impossível.

Mas, enquanto o líder russo pode se ver como mais experiente e habilidoso nesse tipo de jogo tático, na realidade, ele é muito mais suscetível a explosões emocionais repentinas. A Rússia sempre se definiu por meio de seu relacionamento com o Ocidente — e, desde a Guerra Fria, de seu relacionamento com os EUA em particular.

E o que a Rússia sempre exige é respeito.

Para que não esqueçamos, Putin começou sua presidência em 2000 buscando exatamente isso do então presidente dos EUA, George W. Bush. No fundo, ele está sempre buscando reconhecimento de Washington.

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