Putin justifica guerra na Ucrânia alegando quebra de tratado que Moscou também ignorou

Presidente russo afirma que Ucrânia quebrou acordo ao buscar adesão à Otan, mas especialistas e documentos históricos refutam alegações de Moscou

Em um discurso realizado no dia 7 de novembro na cidade de Sochi, o presidente russo Vladimir Putin afirmou que a guerra entre Rússia e Ucrânia foi provocada por Kiev. Segundo ele, Moscou deixou de reconhecer as fronteiras ucranianas após a liderança de Kiev alterar seu status de neutralidade e expressar interesse em aderir à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). As informações são do Voice of America (VOA).

“Reconhecemos as fronteiras da Ucrânia com base nos nossos acordos após o colapso da União Soviética”, disse Putin, referindo-se aos Acordos de Belovezha, que formalizaram o fim da URSS em 1991. Ele destacou que, originalmente, a Rússia apoiou a independência da Ucrânia como um estado neutro. “Mas, posteriormente, a liderança ucraniana mudou sua constituição e declarou seu desejo de se juntar à Otan, algo com o qual não concordamos”, acrescentou.

Vladimir Putin toma posse para seu quinto mandato à frente da Rússia, em maio de 2024 (Foto: kremlin.ru/divulgação)
Alegações infundadas

No entanto, especialistas e documentos históricos refutam essa versão apresentada pelo presidente russo. A Ucrânia, após conquistar sua independência em 1991, manteve uma política de neutralidade por quase três décadas. O status neutro foi revogado apenas em 2019, cinco anos depois da Rússia ter anexado a Crimeia e apoiado separatistas pró-Rússia no leste ucraniano.

De acordo com fontes históricas, a relação entre Ucrânia e Otan começou de forma discreta logo após a dissolução da União Soviética, mas foi apenas em 2008 que a aliança ocidental começou a considerar uma possível adesão ucraniana. Esse movimento aconteceu após a invasão russa da Geórgia e a subsequente anexação da região da Ossétia do Sul, que acendeu alertas em todo o Leste Europeu sobre a política expansionista de Moscou. Observadores na época chamaram a invasão de “o início da primeira guerra do século 21 na Europa” e previram que a Ucrânia seria o próximo alvo de Putin.

Anexação da Crimeia: um ponto de ruptura

Em 2014, as forças russas ocuparam a Crimeia, uma península estratégica no Mar Negro, organizando um referendo amplamente contestado que, segundo autoridades apoiadas pelo Kremlin, resultou em um apoio esmagador à anexação pela Rússia. O movimento foi amplamente condenado pela comunidade internacional como uma violação da soberania ucraniana. Com a anexação, a Rússia violou uma série de tratados internacionais, incluindo o Memorando de Budapeste de 1994, que garantiu a integridade territorial da Ucrânia em troca da entrega de seu arsenal nuclear.

A resposta de Moscou à independência da Ucrânia e sua aproximação com o Ocidente intensificou-se com o apoio aos movimentos separatistas no Donbass, região no leste ucraniano que se tornou palco de uma guerra prolongada e destrutiva.

Mudança constitucional na Ucrânia

Foi apenas em setembro de 2018 que o então presidente ucraniano, Petro Poroshenko, propôs uma emenda à constituição que colocaria formalmente o objetivo de integração europeia e adesão à Otan como pilares da política externa do país. A proposta recebeu aprovação do Tribunal Constitucional e foi sancionada pelo parlamento ucraniano, a Verkhovna Rada, em fevereiro de 2019.

De acordo com pesquisas de opinião, o apoio popular na Ucrânia para ingressar na Otan cresceu significativamente após a anexação da Crimeia pela Rússia e o início do conflito em Donbass, que ceifou milhares de vidas. Antes de 2014, a adesão à Otan era uma questão polarizadora entre os ucranianos; no entanto, o temor de uma agressão russa em larga escala transformou a opinião pública.

Após a invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022, a cooperação entre a Otan e a Ucrânia aumentou significativamente. Moscou é acusada de crimes de guerra, com centenas de milhares de mortos e diversas cidades destruídas.

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