Repressão contra o movimento LGBT expõe a comunidade a medo e violência na Rússia

Qualquer manifestação pública pode ser interpretada como extremismo, incluindo broches com arco-íris e fotos com parceiros

Cidadãos russos da comunidade LGBT vivem sob ameaça constante desde que o país declarou o “movimento internacional LGBT” como extremista, mesmo que não exista uma organização formal com esse nome. A decisão, tomada há um ano e meio, resultou em crescente perseguição e medo entre pessoas inseridas na sigla no país. As informações são do jornal The Moscow Times.

De acordo com relatos coletados em Moscou e São Petersburgo, qualquer manifestação pública de identidade LGBT pode ser interpretada como extremismo, incluindo símbolos como broches com arco-íris, fotos com parceiros do mesmo sexo ou até livros. “Eu escondo minha orientação, mas esconder virou parte de mim. Estou acostumado”, disse um jovem de 24 anos de Moscou que preferiu não se identificar.

Bandeiras LGBTQIA+ em Reykjavik, na Islândia, em julho de 2019 (Foto: Jasmin Sessler/Unplash)

O que mais assusta a comunidade é a falta de clareza sobre o que exatamente configura crime sob a designação de extremismo. “Você não sabe o que é permitido, proibido ou qual punição poderá sofrer. Se vai para a prisão por uma foto no VKontakte (rede social russa) ou só paga uma multa por usar brincos com arco-íris”, comentou uma mulher de 34 anos de São Petersburgo. Muitos relatam viver relacionamentos às escondidas, evitando até mesmo demonstrar afeto em público.

A repressão se intensificou com processos criminais contra pessoas acusadas de “propaganda gay” e “organização extremista”. Em 2024, foram aplicadas 146 multas por propaganda gay e pelo menos 12 processos criminais relacionados a atividades LGBT, com penas que podem chegar a 12 anos de prisão. Um caso emblemático foi o de Andrei Kotov, de 48 anos, que morreu sob custódia após ser acusado de criar uma organização extremista ligada a “turismo gay”.

Além das prisões, estabelecimentos como boates foram alvo de ações policiais. O dono da boate Pose, em Orenburg, foi preso em março de 2024, junto a outros funcionários, por suposta ligação com atividades extremistas. Mais de 50 casas noturnas associadas à comunidade foram alvo de batidas nos últimos 18 meses.

A literatura LGBT também está sob pressão. Editoras foram obrigadas a recolher livros com temas queer, e funcionários de uma editora independente foram presos acusados de atividades extremistas. A repressão estatal agravou o preconceito social, levando a um aumento de intimidações e ameaças.

Segundo Yan Dvorkin, líder da organização Center-T, que apoia pessoas trans e não-binárias, a hostilidade cresceu a ponto de 83% da comunidade relatar sentir-se ameaçada. Muitas pessoas LGBT têm evitado cuidados médicos por medo de discriminação, especialmente transgêneros, que também enfrentam proibições em cirurgias de afirmação de gênero.

O medo leva muitos a considerarem a emigração. “Se eu sair da Rússia, será por causa da lei da propaganda gay”, disse um entrevistado. “Todos que conheço estão planejando sair.” Dvorkin lamenta a perda da visibilidade conquistada: “Quando você é visível, você existe, pode reivindicar seu espaço, seus direitos, sua história. O que está acontecendo agora é o apagamento, que nos leva de volta a uma era de medo e impotência.”

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