Rússia debate lei que permitiria ao governo tomar bens de quem contestar a guerra

Projeto apresentado ao parlamento russo conta com apoio da maioria dos partidos, segundo autoridades políticas locais

A Rússia se prepara para apertar ainda mais o cerco contra os cidadãos do país que se opõem à guerra da Ucrânia. Uma lei que vem sendo debatida atualmente, se aprovada, permitiria ao governo apreender bens de pessoas condenadas por espalhar “notícias falsas” sobre as Forças Armadas ou o conflito. As informações são do jornal The Moscow Times.

O novo projeto de lei, apresentado nesta segunda-feira (22) na Duma, a câmara baixa do parlamento russo, permitiria a apreensão de dinheiro, imóveis e outros objetos de valor de cidadãos críticos que se posicionarem publicamente contra a guerra ou atuação dos militares de Moscou na Ucrânia.

Segundo Vyacheslav Volodin, presidente da Duma, o alvo da nova legislação são “os canalhas” que “apoiam os nazistas”, referência habitual do governo russo aos ucranianos. “Quem tentar destruir a Rússia ou traí-la deverá sofrer um castigo merecido e compensar os danos causados ​​ao país à custa dos seus bens”, acrescentou ele, através de seu canal no Telegram.

Autoridades políticas russas afirmam que o projeto tem forte apoio junto aos parlamentares, com sinais positivos vindos de diversos partidos.

Quaisquer informações que não sejam provenientes de fontes oficiais do governo podem ser classificada como “falsas”, levando à punição de quem difundi-las.

Homem detido em Moscou por protestar contra a guerra: “Liberdade de expressão. Não à guerra”, diz o cartaz (Foto: ovdinfo.org/)
Por que isso importa?

Na Rússia, protestar contra o governo já não era uma tarefa fácil antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Os protestos coletivos desapareceram das ruas a partir do momento em que a Justiça local passou a usar a pandemia de Covid-19 como pretexto para punir grandes manifestações, alegando que o acúmulo de pessoas feria as normas sanitárias. Assim, para driblar o veto, tornou-se comum ver manifestantes solitários erguendo cartazes com frases contra o governo.

Desde a invasão do país vizinho por tropas russas, no dia 24 de fevereiro de 2022, o desafio dos opositores do presidente Vladimir Putin aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado e o aumento da violência policial para silenciar os críticos. Uma lei do início de março de 2022, com foco na guerra, pune quem “desacredita o uso das Forças Armadas”.

Dentro dessa severa legislação, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 22 mil). A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o Exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, eufemismo usado pelo governo para descrever a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.

Desde o início da guerra, a ONG OVD-Info, que monitora a repressão na Rússia, reportou quase 20 mil detenções em protestos contra a guerra em todo o país.

A enorme maioria dos casos, cerca de 15 mil, foi registrada no primeiro mês de guerra. Depois, houve um pico entre setembro e outubro de 2022, devido à mobilização parcial de reservistas imposta pelo governo. Entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023, foram registradas somente 22 detenções, um sinal de que a repressão estatal tem funcionado.

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