Rússia mantém estratégia de confronto e não busca paz duradoura com os EUA, dizem analistas

Agências de inteligência russas atuam normalmente na Europa e mostram que o país não desistirá de seus planos facilmente

A perspectiva de um acordo de paz de longo prazo entre Moscou e Washington é ilusória. De acordo com uma análise do think tank Center for European Policy Analysis (Cepa), a Rússia mantém uma postura de confronto, apesar de sinais temporários de desengajamento tático. “O Kremlin nunca acreditará na perspectiva de uma paz duradoura com os EUA, que ele odeia, não importa quais presentes a administração Trump esteja disposta a oferecer”, afirma o artigo.

A análise aponta que, embora possa haver uma redução tática na batalha contra o poder global dos EUA por um ou dois anos, não haverá uma consideração séria de um arranjo duradouro. Sobretudo um que venha a poupar a Europa de uma eventual agressão russa. Esta previsão vem para se contrapor a declarações otimistas de Donald Trump, presidente dos EUA, que em 14 de março indicou ver “bons sinais” de um acordo de cessar-fogo com a Rússia na Ucrânia.

Segundo os autores do artigo, Andrei Soldatov e Irina Borogan, um forte sinal de que a paz seria apenas temporária é dado pelas agências de inteligência russas, plenamente mobilizadas para a guerra com o Ocidente. Elas não mostram sinais de reduzir o ritmo de suas operações extensivas na Europa.

Vladimir Putin, presidente da Rússia, maio de 2021 (Foto: Kremlin/WikiCommons)

O mesmo vale para as agências responsáveis pela projeção do soft power do Kremlin e pela execução de operações híbridas de interferência. Não são necessariamente órgãos de espionagem, mas entidades supostamente ligadas à cultura russa que, na verdade, funcionam como mecanismos de promoção dos interesses do Kremlin no exterior.

Um caso destacado é o da Rossotrudnichestvo, agência sob o Ministério das Relações Exteriores da Rússia que tem intensificado sua rede de centros culturais, as “Casas Russas”, ao redor do mundo. Após a expulsão em massa de espiões e diplomatas russos baseados em embaixadas em 2022, esses centros têm se tornado cada vez mais bases para operações de inteligência, algo que já ocorrida durante a Guerra Fria.

O relatório destaca um evento recente que ilustra essa tendência agressiva: a Casa Russa em Ancara organizou uma exposição sobre supostos crimes de guerra ucranianos enquanto coletava abertamente suprimentos para soldados russos lutando na Ucrânia. Desde então, Azerbaijão e Moldávia ordenaram o fechamento das “Casas Russas” em seus países, destacando o caráter cada vez mais polêmico dessas instituições.

Algumas nomeações para posições-chave também ilustram os planos do Kremlin. Como Igor Chaika, nomeado vice-chefe da Rossotrudnichestvo. Proveniente de uma influente família russa próxima a Putin, é filho de Yuri Chaika, membro do Conselho de Segurança da Rússia, ex-ministro da Justiça e ex-procurador-geral, além de irmão de Artem Chaika, um empresário e conselheiro de Ramzan Kadyrov, chefe da Chechênia.

A nomeação veio como resposta do Kremlin ao fechamento de instituições russas na Moldávia, em um contexto de tensões diplomáticas e sanções ocidentais relacionadas à guerra na Ucrânia. Igor Chaika não é apenas um executivo, mas também um estrategista político, tendo sido sancionado pelos EUA em 2022 por seus esforços para minar a presidente moldava Maia Sandu e reverter a orientação política moldava em favor da Rússia antes das eleições de 2021.

O Departamento do Tesouro dos EUA destacou que Chaika desenvolveu planos para desestabilizar a Moldávia com o auxílio de Dmitry Peskov, porta-voz de Putin. Ele foi instrumental na formação de alianças entre figuras políticas moldavas e partidos, contribuindo significativamente para a infiltração russa na política moldava através de financiamento e outras formas de apoio a partidos colaboracionistas.

“Em outras palavras, o novo vice-chefe da Rossotrudnichestvo não é qualquer funcionário cuja função de vida é promover a língua russa no exterior – o objetivo oficial da agência”, diz o artigo. “A Rossotrudnichestvo está em pé de guerra e envia um sinal claro. Embora Putin siga professando a paz, a Europa não será poupada.”

Tags: