Campanha de desinformação da Rússia joga população europeia contra refugiados ucranianos

Enquanto as tropas de Putin bombardeiam o país vizinho, os propagandistas pró-Kremlin se concentram em uma nova tarefa: colocar os europeus contra os ucranianos que fogem da guerra

Paralelamente aos ataques das tropas de Vladimir Putin a cidades da Ucrânia, a propaganda pró-Kremlin também tem sido devastadora. Entre os alvos da campanha de desinformação estão os 7,8 milhões de refugiados ucranianos que abandonaram o país devido à ofensiva militar russa, situação que representa o maior deslocamento na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. O objetivo: demonizá-los e jogar a população europeia contra eles. As informações são do jornal The Washington Post.

Entre as mentiras disseminadas na internet pela mídia estatal russa contra a população que foge do conflito, há histórias de refugiados ucranianos que teriam ateado fogo na casa de anfitriões. Um modelo de reportagem falsa que tem causado estragos principalmente na Alemanha, onde um milhão de ucranianos buscaram refúgio. Explorar a raiva dos alemães, que vivem uma crise energética, tem sido uma estratégia para minar o apoio à Ucrânia.

Por lá, há indícios de que a mensagem russa, que tem sido disseminada por aplicativos de mensagem, chegou a grupos radicais. Nos últimos meses, foram registrados incêndios e pichações ameaçadoras em abrigos e escolas que recebem ucranianos. A principal ferramenta é o aplicativo de mensagens Telegram, que não possui a mesma moderação de conteúdo que o Facebook e o YouTube.

Família ucraniana com 11 crianças busca refúgio na Romênia (Foto: Ioana Moldovan/Unicef)

Autoridades alemãs já alertaram que o app se tornou um “meio de radicalização”. Em outubro, um tribunal multou o Telegram em US$ 5 milhões por não cumprir a lei alemã referente à disseminação de conteúdo ilegal.

Segundo especialistas, o trabalho dos propagandistas, definido pela Meta – a empresa-mãe do Facebook  – como “a maior e mais complexa operação de origem russa” interrompida desde o início da guerra na Ucrânia”, tem como objetivo alimentar o medo e a segregação no continente, que se prepara para um novo fluxo de refugiados neste inverno.  

“A desinformação russa é um investimento de longo prazo e pode se tornar muito, muito tóxica”, disse Huberta von Voss, diretora executiva do escritório alemão do Institute for Strategic Dialogue, uma ONG com sede em Londres que estuda o extremismo e a desinformação. “Isso pode causar danos no mundo real”.

Os planos russos têm dado resultado. Mesmo em um cenário em que a ampla maioria dos europeus é favorável ao acolhimento de refugiados, o apoio está diminuindo em países-chave. Uma pesquisa da Fundação Bertelsmann feita em setembro apontou que a proporção de alemães que acreditam que o país deveria receber refugiados da Ucrânia caiu de 86% em março, pouco após o início da guerra, para 74%.

Segundo um estudo recente feito pelo think tank European Policy Center, apoiado pelo Parlamento Europeu, “mentiras sobre refugiados ucranianos e esforços para capitalizar os medos dos europeus não conseguiram polarizar ou moldar o discurso público até agora”. Porém, a proporção de informações hostis aos refugiados ucranianos “está aumentando e gerando maior engajamento nas mídias sociais”, alertou.

A demonização dos refugiados ucranianos na Alemanha por meio de fake news nas redes representa uma vertente traiçoeira de desinformação, dizem especialistas. Segundo eles, “propagandistas russos há muito mostram talento para explorar as divisões políticas domésticas de outros países para promover seus objetivos”.

A narrativa do Kremlin de acusar os ucranianos de serem nazistas, por exemplo, encontrou ecos na Alemanha. Em outubro, foi registrado um incidente na cidade de Leipzig, onde um grupo de refugiados ucranianos fazia uma manifestação contra o bombardeio da Rússia. Um manifestante alemão de aproximou e chamou o grupo de ucranianos de “porcos”. E acrescentou: “Vocês estão vivendo com o nosso dinheiro”. Além dele, outros gritaram “Fora, nazistas!”.

Mas o crescimento desse tipo de ataque no país é discreto. Desde o início do ano até outubro, foram 65 ataques a centros de refugiados na Alemanha, segundo dados oficiais citados pela imprensa alemã. Em 2021, antes da guerra e antes do início da onda de refugiados, foram 70.

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