Se aprovada, lei inspirada na Rússia afastará a Geórgia da União Europeia e dos EUA

Normativa legal obriga entidades a se registrem como 'agentes estrangeiros' se mais de 20% de seus recursos vierem do exterior

A Geórgia, uma antiga república soviética atualmente dividida entre a influência de Moscou e a repulsa a ela, vem debatendo uma lei claramente inspirada na Rússia que coloca em risco os laços diplomáticos com o Ocidente. Se aprovada, a “lei do agente estrangeiro” tende a impedir o ingresso do país na União Europeia (UE) e estremecerá sua relação com os EUA.

A lei foi aprovada na terça-feira (14) pelo parlamento local, apesar dos protestos populares generalizados contra a medida. A normativa legal, que seus opositores consideram uma ferramenta de repressão, prevê que as organizações de mídia e sem fins lucrativos se registrem como “agentes estrangeiros” se mais de 20% de seus recursos financeiros vierem do exterior.

Agora, o texto seguirá para as mãos da presidente Salome Zourabichvili, que já se posicionou contra a lei e disse que a vetará. Confirmando-se a promessa, retornará ao parlamento, que mais uma vez votará para decidir se a medida entra em vigor ou não.

Sede do governo da Geórgia, em Tiblissi, em 2018 (Foto: Divulgação/Goverment Georgia)

A aprovação parlamentar, que ignorou os enormes protestos populares contra a lei, incomodou o governo norte-americano, segundo a agência Reuters.

“Se esta legislação for aprovada, isso nos obrigará a reavaliar fundamentalmente a nossa relação com a Geórgia”, disse a secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, destacando as semelhanças entre a lei georgiana e outra que vigora na Rússia.

A referida lei existe na Rússia desde 2012 e igualmente exige que organizações ou indivíduos que recebem financiamento estrangeiro e se envolvem em atividades políticas ou sociais se declarem como “agentes estrangeiros”. A medida atinge sobretudo jornalistas e ativistas de direitos humanos, que acabam silenciados devido às punições previstas no texto.

O teor antidemocrático da lei georgiana incomoda a UE. Segundo o jornal Financial Times, três funcionários do bloco disseram, sob condição de anonimato, que a pretensão da Geórgia de ser aceita como membro estará comprometida caso o texto entre em vigor. O país se candidatou em 2022, pouco após a invasão da Ucrânia pelas tropas da Rússia.

“Fomos muito claros. Isto é um empecilho”, disse uma das fontes, segundo a qual foram feitas reuniões entre representantes da Geórgia e da UE nos últimos dias para debater a questão. “[O governo georgiano] sabe qual é o resultado.”

O bloco europeu não falou abertamente sobre a rejeição, mas condenou a postura das forças de segurança na repressão aos protestos populares contra a lei ocorridos nas últimas semanas. Peter Stano, principal porta-voz da UE para assuntos externos, classificou como “brutais” as ações da polícia.

Segundo ele, a Geórgia “é um país candidato”, e o bloco espera que as autoridades locais “voltem ao caminho europeu e cumpram todos os compromissos que assumiram voluntariamente” quando se candidataram para ingressar no bloco.

Mesmo a secretária de imprensa da Casa Branca tocou no tema em sua entrevista em Washington, de acordo com o jornal The Kyiv Independent. “Temos falado abertamente sobre as nossas preocupações com a legislação que vai contra os valores democráticos e afastaria a Geórgia dos valores da União Europeia e também da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte)”, afirmou Karine Jean-Pierre.

Influência agressiva

A Rússia tem buscado ampliar sua ascendência sobre a Geórgia, um país fronteiriço que o governo de Vladimir Putin vê como parte de sua esfera de influência legítima. Diante da tal cenário, Moscou invadiu em 2008 duas regiões separatistas da Geórgia, a Ossétia do Sul e a Abecásia, apoiando as forças locais em sua luta por independência.

A guerra teve início quando as tropas georgianas tentaram recuperar o controle da província separatista da Ossétia do Sul. A Rússia enviou unidades que derrotaram os militares locais em cinco dias de combate, e desde então o Kremlin reconhece o território como um Estado independente. A Abecásia igualmente demanda sua separação do resto da Geórgia e tem seu pedido apoiado por Moscou.

A invasão da Abecásia e da Ossétia do Sul ocasionou o ponto mais baixo das relações entre Moscou e Tbilisi desde o fim da União Soviética, em 1991. Porém, o cenário vem mudando, com uma reaproximação gradual. O governo georgiano tem importantes figuras sob a influência russa, o que mantém o país ao alcance de Putin.

Em julho de 2023, Emil Avdaliani, professor de Relações Internacionais na Universidade Europeia em Tbilisi, publicou um artigo no qual destaca a “reaproximação cautelosa da Geórgia com a Rússia.” Na ocasião, Salome Zourabichvili já governava a ex-república soviética, tendo assumido a presidência em 2018.

“Desde a invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia, a Geórgia se absteve de aderir às sanções anti-Rússia e não criticou abertamente Moscou pelas suas ações na Ucrânia”, diz o texto. “As autoridades russas elogiaram repetidamente o atual governo georgiano por manter uma abordagem construtiva considerada digna de um país soberano, e o comércio bilateral tem crescido.”

No artigo, o especialista ainda afirma que a abordagem mais segura para o país é se dividir entre duas esferas de influência antagônicas, como aparentemente tem ocorrido.

“A melhor aposta da Geórgia é navegar entre a cada vez mais perigosa Rússia e o Ocidente, que se expande gradualmente para leste, mas não com rapidez suficiente para engolir a geograficamente distante Geórgia antes de ser novamente ameaçada pela Rússia”, afirma Avdaliani.

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