Jornalista com cidadania norte-americana é presa na Rússia por violar lei de ‘agente estrangeiro’

Alsu Kurmasheva, jornalista russo-americana, foi detida por suposta falta de registro como "agente estrangeiro", informou seu veículo nos EUA

Uma jornalista com cidadania russa e norte-americana foi presa na Rússia na quarta-feira (18) sob acusação de violar a lei local de “agente estrangeiro“. A prisão de Alsu Kurmasheva está relacionada a alegações de que a repórter e editora, que trabalhava para a Radio Free Europe/Radio Liberty (RFE-RL), uma rede financiada pelo governo dos Estados Unidos, fez reportagens sobre a presença de professores universitários nas forças russas na Ucrânia. As informações são do jornal The New York Times.

A RFE-RL confirmou a detenção de Kurmasheva em um comunicado nesta quinta-feira (19), informando que a jornalista enfrenta acusações por não se registrar como agente estrangeiro, o que pode resultar em uma sentença de até cinco anos de prisão. Ela trabalhava em Praga, na República Tcheca.

Prédio da Radio Free Europe/Radio Liberty em Praga, na República Tcheca (Foto: WikiCommons)

A lei de pela qual a jornalista foi presa, em vigor desde 2012, exige que organizações ou indivíduos que recebem financiamento estrangeiro e se envolvem em atividades políticas ou sociais se declarem como tal. Os profissionais de imprensa que se enquadram nesse critério devem se declarar como “agentes estrangeiros”.

De acordo com a Tatar-Info, uma agência de notícias russa, os investigadores russos suspeitam que Kurmasheva estava coletando informações sobre o envolvimento de professores universitários russos no exército. Eles acreditam que essas informações poderiam ser usadas para prejudicar a reputação do país e desacreditar as forças armadas, situação em que uma ferramenta de censura do Kremlin é aplicada para reprimir a oposição e silenciar os meios de comunicação não alinhados com o governo.

O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) manifestou preocupação com a situação de Kurmasheva, levada sob custódia por agentes mascarados na cidade de Kazan, para onde a jornalista viajou para tratar de “uma emergência familiar”. A organização sem fins lucrativos solicitou às autoridades russas que a libertem imediatamente. Um vídeo foi publicado no X, antigo Twitter, sobre o suposto momento da detenção.

Ela é a segunda jornalista americana a ser detida na Rússia neste ano. Em março, Evan Gershkovich, correspondente russo do The Wall Street Journal, também foi detido sob acusações de espionagem, as quais ele e o periódico negaram. Gershkovich permanece em prisão de segurança máxima em Moscou, aguardando julgamento.

Imprensa amordaçada

Segundo Gulnoza Said, coordenador do programa do CPJ para a Europa e Ásia Central, essa detenção é injusta, já que Kurmasheva enfrenta “acusações criminais infundadas”. O comitê enfatiza que “jornalismo não é um crime” e vê a prisão da editora como um exemplo de repressão russa na independência do trabalho jornalístico.

O governo russo não divulgou informações detalhadas sobre o processo criminal envolvendo a jornalista, disse o jornal The Guardian. A RFE-RL interrompeu suas atividades na Rússia após a invasão da Ucrânia pelas tropas do presidente Vladimir Putin, e os jornalistas do canal têm enfrentado forte pressão devido às suas conexões com uma agência de notícias financiada pelo Congresso dos EUA, o que os coloca como alvos.

Por que isso importa?

Organizações não governamentais, veículos de imprensa e os colaboradores de ambos têm sido alvo de uma dura repressão do governo Putin, com o respaldo da Justiça do país. A perseguição se escora na “lei do agente estrangeiro”, que foi aprovada em 2012 e modificada diversas vezes, dando às autoridades o poder de acessar todas as informações privadas das instituições e indivíduos listados como “agentes estrangeiros”.

A classificação determina que os veículos rotulem todo o seu conteúdo, uma exigência legal que acaba por afastar potenciais parceiros e anunciantes. Organizações que não cumprem a lei podem ser forçadas a fechar, como ocorreu no ano passado com o site VTimes. Outros, como o Meduza.io, evitaram o fechamento através de esforços de crowdfunding.

Órgãos e indivíduos listados e que não atendam às exigências impostas pela lei podem pegar pena de prisão, de acordo com o código penal russo, e as organizações correm o risco de serem proibidas de funcionar. Tal sistema repressivo tem sido a principal arma do Kremlin para calar os críticos, levando a ordens de prisão, casos de exílio forçado e ao fechamento de entidades.

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