Aos 20 anos, Samrawit* é uma sobrevivente dos horrores do tráfico de pessoas que há anos assolam a fronteira entre a Líbia e o Sudão. A jovem contou sua história à Acnur (Agência da ONU para Refugiados)
Ainda que reassentada na Suécia, ela não esquece dos dois anos em que passou em cativeiro nas mãos de contrabandistas, onde foi torturada, espancada e estuprada.
Temendo por sua segurança, a jovem fugiu da Eritreia, país da África Oriental, logo após a partida de seu único parente próximo. No meio do caminho, no entanto, foi sequestrada e levada por traficantes de pessoas para uma cidade do Sudão próxima a fronteira com a Líbia.
“Primeiro eles nos pegaram à força, e depois nos estupraram”, ela diz, chorando. “Eles nos ameaçaram com facas. Como eu poderia me salvar?”
Por dois meses, Samrawit foi mantida em um acampamento de traficantes em Kufra, no sudeste da Líbia. Seus raptores exigiram US$ 6 mil por sua liberdade. Antes de finalmente terminar em Bani Walid, no noroeste do país, ela foi comprada e vendida por diferentes grupos de tráfico de pessoas.
As condições dos prisioneiros não eram humanas, relata ela. A fome e violência eram protagonistas da realidade, assim como a falta de espaço e de água. Humilhações se tornavam banais: após exigir dinheiro dos detidos, os traficantes os estupravam e torturavam.
“Nos batiam com tubos de borracha e violavam as mulheres a céu aberto ou debaixo de carros”, lembrou. Os homens eram torturados com queimaduras de plástico derretido e afogamentos em tanques d’água.
Fuga do tráfico
Quando presa, Samrawit foi forçada a procurar familiares distantes para que buscassem dinheiro para a sua libertação. Ela lembra que conseguiu reunir US$ 12 mil, valor que cobriu seu resgate e garantiu um espaço em um barco para a Europa.
Há um ano, a viagem finalmente aconteceu. Junto de 350 prisioneiros, os contrabandistas foram até a costa do Mediterrâneo para tentar uma travessia. “Saímos à meia-noite, mas depois de algumas horas o barco começou a afundar”, conta a jovem.
Cerca de 150 pessoas morreram no acidente, que é considerado um dos náufragos mais graves dos últimos anos. Samrawit sobreviveu após nadar por oito horas até a costa da Líbia.
Refúgio
Quando encontrados pelas autoridades líbias, os sobreviventes de tráfico de pessoas foram encaminhados a um centro de detenção identificado pela Acnur (Agência da ONU para Refugiados).
Resgatados, eles receberam os primeiros socorros e foram conduzidos a um processo de avaliação para identificar os mais vulneráveis. Samwawit estava entre eles.
Já medicada, seu destino foi Ruanda, onde ficou até conseguir abrigo na Suécia. Desde a sua chegada, estabeleceu contato com o irmão, está tendo aulas de inglês e considera fazer um curso de costura. O foco está na cura. “Preciso ocupar minha mente em vez de me preocupar e lembrar das coisas ruins que aconteceram”, disse.
Realidade crescente
Um relatório recente, publicado pela Acnur detalhou que, todos os anos, centenas de refugiados morrem em viagens desesperadas da África Ocidental e Oriental através da Líbia e do Egito.
Grande parte dos sobreviventes são submetidos a abusos e violações extremas. Entre elas, assassinatos, tortura, extorsão, violência sexual e trabalho forçado nas mãos de contrabandistas, traficantes, milícias e até mesmo autoridades do Estado.
Desde dezembro de 2018, cerca de dois mil refugiados foram retirados do território líbio. Outros 2,5 mil permanecem em extrema vulnerabilidade nos centros oficiais de detenção do país.
*o nome foi trocado para preservar a identidade da vítima.