Ações para coibir as atividades do Hezbollah no Brasil são ‘insuficientes e inadequadas’, diz especialista

Emanuele Ottolenghi diz À Referência que reconhecer o grupo libanês como terrorista fortaleceria as ações preventivas no país

Por Paulo Tescarolo

A região da Tríplice Fronteira de Brasil, Argentina e Paraguai é crucial para as finanças do Hezbollah, que ali ocupa papel de protagonista em um mercado de US$ 5 bilhões por ano em transações ilícitas. No caso específico do território brasileiro, entretanto, as medidas adotadas para coibir a atuação do grupo são frágeis, embora nossas forças de segurança tenham ciência do grau de ameaça. Esta é a avaliação de Emanuele Ottolenghi, especialista do think tank Fundação para a Defesa das Democracias (FDD) focado nas redes de ameaças ilícitas do Hezbollah na América Latina e no histórico de evasão de sanções do Irã.

Ottolenghi, que na terça-feira (2) assinou um artigo sobre o tema publicado pelo site The Cipher Brief, conversou com a reportagem de A Referência. Ele contestou a forma como o Brasil lida com a organização extremista libanesa, destacou a importância de se classificá-la como terrorista, algo que já é feito por governos como os de EUA, Reino Unido e Austrália, e admitiu que é possível imaginar um cenário em que o país seja sancionado pela frágil resposta ao grupo.

“Acredito que as ações das autoridades brasileiras para coibir as atividades do Hezbollah no Brasil são insuficientes e inadequadas”, disse ele. “A falta de uma estrutura legal que reconheça o Hezbollah como uma organização terrorista dificulta a capacidade das agências de segurança pública e de inteligência de agir preventivamente.”

Desfile de combatentes do hezbollah (Foto: khamenei.ir/WikiCommons)

Embora o Brasil jamais tenha sido palco de um ataque realizado pelo Hezbollah, isso esteve perto de acontecer. Em novembro do ano passado, a Polícia Federal (PF) realizou uma operação que levou à prisão de dois afiliados do grupo no Brasil, acusados de planejar ataques terroristas contra entidades judaicas e de atuar no recrutamento de novos membros entre os cidadãos brasileiros.

De acordo com Ottolenghi, a ocorrência deveria bastar para o governo brasileiro fechar o cerco contra o grupo e listá-lo como terrorista. “Fiquei surpreso, na verdade, que nenhum ajuste foi feito para remediar essa situação”, afirmou.

Embora destaque a operação de segurança de 2023 como bem-sucedida, o especialista diz que é insuficiente ante à ameaça que a facção representa. “Houve alguns sucessos, como a frustração do plano do Hezbollah em Brasília em novembro passado e a recente decisão de negar a entrada no Brasil a um cidadão argentino intimamente afiliado ao regime iraniano. Mas, no geral, pouco foi feito para erradicar a ameaça”, avaliou.

No artigo do The Cipher Brief, Ottolenghi destaca que as lideranças do grupo inclusive têm familiares vivendo livremente no Brasil. Relatou que o xeque Khalil Rizk, “um clérigo do Hezbollah” e importante figura do departamento de relações exteriores do grupo, “tem um irmão que administra um negócio de telefonia celular em São Paulo”. Já Mohamad Mansour, preso no Egito há mais de uma década, também tem um irmão administrando um negócio na capital paulista.

“As agências de segurança e inteligência no Brasil estão, eu acho, bem cientes da ameaça. No entanto, faltam os meios legais e recursos suficientes para lidar com isso efetivamente”, afirmou o analista. “O Brasil também continua a ter uma política de imigração muito frouxa e aberta, o que permitiu que milhares de simpatizantes e apoiadores do Hezbollah se mudassem para o Brasil, obtivessem residência ou cidadania e se entrincheirassem no país.”

Tal posicionamento é compartilhado por outro especialista, André Luís Woloszyn, analista de assuntos estratégicos e especialista em conflitos de baixa e média intensidade. Entrevistado pela reportagem de A Referência em fevereiro de 2022, ele alertou para o livre trânsito que extremistas parecem ter no país. “A legislação fraca possibilita o homizio de integrantes de grupos terroristas, o que não acontece na maioria dos países”, disse na oportunidade.

O Hezbollah se beneficia também da boa relação que o governo brasileiro mantém com Teerã, tido como principal financiador da organização extremista libanesa. “Estudos de código aberto e declarações públicas de autoridades dos EUA datadas de 2018 indicam que o envolvimento em atividades ilícitas gerou 30% do orçamento operacional anual do Hezbollah de aproximadamente US$ 1 bilhão, com o Irã fornecendo o restante”, diz o artigo do The Cipher Brief.

De acordo com Ottolenghi, “instituições e ativistas alinhados ao Hezbollah são muito ativos no Brasil para apoiar o Hezbollah e o Irã, e o atual governo Lula tomou medidas para se aproximar do Irã também.” Ele lembrou de casos recentes que ilustram a alegação, como o aval governamental para que navios de guerra iranianos estacionassem no Rio de Janeiro em março de 2023.

Diante de tal cenário, o analista diz que não é impossível pensar em sanções impostas ao Brasil, embora não estejam nos planos do atual presidente norte-americano Joe Biden. “É improvável que vejamos sanções financeiras dos EUA contra o Brasil por conta de sua política frouxa em relação ao Hezbollah”, disse ele. “Isso pode mudar, no entanto, se as eleições dos EUA em novembro devolverem o Sr. Trump à presidência.”

Projetos de lei em discussão

Atualmente, o Brasil acompanha o posicionamento da ONU (Organização das Nações Unidas), que não lista o Hezbollah como terrorista. Existem, no entanto, dois projetos de lei para mudar essa visão, o mais recente apresentado em maio pela deputada federal Carla Zambelli (PL-SP). A proposta foi apensada a outra semelhante, assinada por Abilio Brunini (PL/MT), Marco Feliciano (PL/SP) e Jefferson Campos (PL/SP).

Os dois projetos preveem a alteração da lei nº 13.260, de 16 de março de 2016. O mais recente, de autoria de Zambelli, inclui ainda Hamas, Jihad Islâmica Palestina e Irmandade Muçulmana e afirma que o objetivo é impedir que tais grupos ingressem ou sejam acolhidos no território brasileiro. Acrescenta que a medida “é essencial para garantir a segurança nacional e internacional, prevenindo a propagação de atividades terroristas no Brasil e contribuindo para a estabilidade e paz mundial.”

A deputada ainda contesta o posicionamento do Brasil de se submeter à decisão da ONU, dizendo se tratar de “um país soberano, capaz de tomar suas próprias decisões sem se curvar ao que pensa uma organização externa.”

O texto foi apresentado como homenagem a Michel Nisenbaum, cidadão brasileiro morto pelo Hamas no ataque a Israel em 7 de outubro de 2023. O corpo dele estava em poder dos extremistas até maio, quando foi recuperado pelo Estado judeu.

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