Dois anos de guerra, 69 mil mortos, 8 países: o que sobrou de Gaza e quem ainda luta por poder

Dois anos após os ataques do Hamas, o conflito no enclave chega ao limite, deixando um rastro de destruição, milhares de mortos e um novo equilíbrio de poder no Oriente Médio

Dois anos após os ataques do Hamas em 7 de outubro de 2023, a guerra em Gaza pode estar perto do fim. Mas o Oriente Médio jamais voltará a ser o mesmo, aponta uma análise do Axios.

O conflito começou com o maior massacre de judeus desde o Holocausto, quando o Hamas, grupo radical que controla o enclave, lançou um ataque surpresa em larga escala contra Israel.

A ofensiva envolveu parapentes motorizados, motocicletas e cerca de mil combatentes, além de aproximadamente três mil foguetes disparados contra o território israelense. Cerca de 700 pessoas foram mortas, incluindo 260 que participavam de um festival de música eletrônica (onde três brasileiros morreram), o maior massacre de civis da história de Israel. Enquanto parte dos militantes invadiu o evento e abriu fogo, outros sequestraram moradores da região, entre eles mulheres e crianças.

“Este é o nosso 11 de Setembro. Eles nos pegaram”, declarou, na época, o major Nir Dinar, porta-voz das Forças de Defesa de Israel (IDF).

Gaza arrasada pela guerra (Foto: WikiCommons)

A resposta israelense deu início a uma das campanhas militares mais destrutivas das últimas décadas, resultando na pior crise humanitária e no maior deslocamento de pessoas desde a Nakba, em 1948, quando cerca de 700 mil palestinos foram forçados a deixar suas terras durante a criação do Estado de Israel e a guerra árabe-israelense.

Mesmo que a iniciativa de paz proposta pelo presidente Donald Trump avance, os impactos humanos e políticos da guerra devem marcar o Oriente Médio por gerações.

Desde o início da guerra, Israel infligiu duros golpes a seus inimigos, mas sua posição global enfraqueceu drasticamente. O apoio internacional à criação de um Estado palestino cresceu, com mais de uma dezena de países reconhecendo oficialmente a Palestina. Ainda assim, os palestinos de Gaza vivem deslocados e famintos, enquanto os da Cisjordânia enfrentam crescente repressão.

Nos Estados Unidos, a guerra dividiu a base democrata em 2024 e provocou uma onda de protestos em universidades, manifestações agora usadas pelo governo Trump para pressionar as instituições de ensino.

Situação atual

De acordo com o governo israelense, quase 2.000 israelenses morreram nas várias frentes do conflito. Em Gaza, o Ministério da Saúde controlado pelo Hamas contabiliza mais de 67 mil mortos. Milhares também perderam a vida em ataques na Cisjordânia, Líbano, Irã, Síria e Iêmen, países atingidos por ofensivas israelenses desde outubro de 2023.

Dos 255 reféns feitos pelo Hamas, 148 foram libertados com vida, e os corpos de 59 foram recuperados. Acredita-se que 20 dos 48 restantes ainda estejam vivos.

Palestinos transportam os feridos para o Hospital Indonésio em Jabalia, ao norte da Faixa de Gaza, em 9 de outubro de 2023 (Foto: WikiCommons)
Como o conflito se espalhou

A guerra em Gaza rapidamente se transformou em uma crise regional. No Irã, 12 dias de bombardeios israelenses, com apoio dos EUA, abalaram o regime e danificaram o programa nuclear.

No Líbano, Israel matou o líder do Hezbollah e seus principais comandantes, abrindo espaço para um presidente pró-EUA assumir o poder. Na Síria, o regime de Bashar al-Assad caiu após meio século, e o novo governo iniciou negociações diretas com Israel pela primeira vez em 25 anos.

No Iraque, milícias pró-Irã recuaram diante das ameaças israelenses e da pressão diplomática de Washington. Já no Iêmen, os rebeldes houthis resistiram à campanha aérea norte-americana e se consolidaram como ameaça regional. No Catar, um ataque malsucedido contra líderes do Hamas uniu os países do Golfo na pressão pelo fim da guerra. Deste cenário caótico nasceu o plano de paz de Trump.

O que dizem os líderes

“Israel perdeu muito apoio no mundo. Agora vou recuperar todo esse apoio”, declarou Trump ao Axios. O ex-presidente é hoje o único grande líder mundial que ainda apoia o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, embora tenha afirmado que o premiê “foi longe demais” na condução da guerra.

Pesquisas recentes em Israel mostram que a maioria da população quer o fim do conflito e a libertação dos reféns, mesmo que o Hamas continue existindo em alguma forma.

Grande parte também defende a renúncia de Netanyahu, acusado de prolongar o conflito para fins políticos, algo que o líder israelense nega.

A devastação em Gaza

A Faixa de Gaza está praticamente inabitável. Quase dois milhões de pessoas foram deslocadas e a maioria das casas destruída. Embora o aumento da ajuda humanitária tenha contido a fome, a crise permanece uma das piores do mundo.

O Hamas sofreu uma derrota militar significativa e perdeu a maior parte de seus combatentes e armamentos pesados. Isolado no mundo árabe, o grupo sinaliza disposição para abrir mão do poder e até aceitar um desarmamento parcial.

Perspectivas no mundo árabe

Os ataques de 7 de outubro visavam interromper o processo de normalização entre Israel e o mundo árabe, especialmente um acordo com a Arábia Saudita.

A estratégia funcionou: Riad adotou uma posição mais pró-Palestina e líderes árabes evitam qualquer aproximação pública com Netanyahu.

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, na sede da ONU em Nova York EUA, em imagem de 2018 (Foto: UN Photo/Cia Pak)

Por outro lado, o plano de paz de Trump prevê um caminho para a criação de um Estado palestino, condição essencial para a retomada das relações entre Israel e a Arábia Saudita. O processo inclui oito países muçulmanos.

Enquanto isso, cresce no mundo a hostilidade contra Israel, israelenses e judeus. Trump disse ao Axios que se preocupa tanto com quem glorifica os ataques de 7 de outubro quanto com quem nega sua ocorrência.

As sociedades israelense e palestina estão profundamente traumatizadas, e a possibilidade de reconciliação a curto prazo parece distante.

O que observar

Nesta semana, Egito sedia as negociações indiretas entre Israel e Hamas.

Especialistas afirmam que o fim da guerra é condição indispensável para o início da reconstrução de Gaza.

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