Ex-premiê britânico pede que Taleban seja investigado por ‘crime contra a humanidade’

Gordon Brown diz que enviou parecer ao Tribunal Penal Internacional devidos aos vetos à educação e ao trabalho das afegãs

Existe base legal para o Tribunal Penal Internacional (TPI) abrir um caso contra o Taleban por crime contra a humanidade, devido ao veto à educação e ao trabalho das mulheres no Afeganistão. Essa é a opinião do ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown, enviado especial da ONU (Organização das Nações Unidas) para a Educação Global. As informações são da rede Voice of America (VOA)

“A opinião legal que recebemos mostra que a negação de educação para meninas afegãs e de emprego para mulheres afegãs é discriminação de gênero, que deve ser considerada um crime contra a humanidade e deve ser processada pelo Tribunal Penal Internacional”, disse Brown durante entrevista coletiva feita por vídeo.

Segundo Brown, um parecer legal foi enviado à corte internacional para que avalie o caso. Ele ainda convocou as nações islâmicas, algumas das quais já manifestaram oposição à decisão do Taleban, para que enviem representantes ao Afeganistão e pressionem os governantes de fato a reverterem as decisões, algo que ao menos por ora parece improvável.

Afegãs aguardam descarregamento de ajuda humanitária na província de Herat (Foto: U.S. Air Force/Flickr)
Violência de gênero

O veto à educação feminina foi uma das primeiras medidas impostas pelo Taleban, em setembro de 2021, um mês depois de o grupo tomar o poder no país. Na ocasião, um documento anunciando a retomada das aulas no ensino fundamental fazia menção apenas aos meninos, ignorando as meninas a partir da sexta série.

De lá para cá, a situação das afegãs apenas piorou. Elas foram proibidas também de frequentar a universidade, e o trabalho feminino no país foi praticamente abolido. O veto à presença de mulheres afegãs em organizações humanitárias, anunciado em dezembro, foi um duro golpe também contra a população do país em geral, com muitos cidadãos dependentes desse tipo de ajuda para sobreviver.

Impedidas de contar com a crucial mão de obra das trabalhadoras locais, diversas agências suspenderem as atividades por falta de mão de obra. Nem mesmo a ONU (Organização as Nações Unidas) foi poupada do veto, embora tenha optado por manter sua atividades, dentro das possibilidades oferecidas.

Mais recentemente, outra medida atingiu as afegãs: a proibição do funcionamento de salões de beleza, uma importante fonte de renda para muitas famílias. Tais estabelecimentos se popularizaram durante os 20 anos da ocupação liderada pelos EUA, tornando-se refúgios seguros onde as mulheres podiam se reunir, socializar e também desfrutar de oportunidades comerciais essenciais. Agora estão fechados.

Taleban dividido

No caso de Brown, embora tenha feito uma denúncia abrangente, o foco é sobretudo a educação, área em que atua. “A oferta deve ser feita de que, se as escolas forem reabertas em condições que permitam às meninas direitos e dignidade apropriados, a ajuda educacional que existiu por 20 anos e foi cortada agora será restaurada”, disse Brown.

Embora o Taleban não exiba sinais de que reverterá a decisão, o ex-premiê diz que a questão parece ter fragmentado o governo radical. “Acreditamos que há muitas pessoas dentro do próprio Ministério da Educação afegão e, claro, muitos professores que querem que as meninas voltem à escola”, disse.

Denúncia anterior

A alegação de crime contra a humanidade devido à violência de gênero dos talibãs já havia sido feita pela ONG Anistia Internacional, em relatório publicado no final de maio deste ano em parceira com a Comissão Internacional de Juristas (ICJ, na sigla em inglês).

O documento é intitulado “A guerra do Taleban contra as mulheres: o crime contra a humanidade da perseguição de gênero no Afeganistão”. Trata-se de uma análise de como as restrições aos direitos das mulheres e meninas do Afeganistão, bem como o uso de prisão, desaparecimento forçado, tortura e outros maus-tratos, podem constituir crime contra a humanidade de perseguição de gênero, com base legal no Estatuto de Roma do TPI.

“Que não haja dúvidas: esta é uma guerra contra as mulheres, banidas da vida pública, impedidas de aceder à educação, proibidas de trabalhar, impedidas de se mover livremente, presas, desaparecidas e torturadas inclusive por falar contra essas políticas e resistir à repressão. São crimes internacionais. Eles são organizados, generalizados, sistemáticos”, disse Agnès Callamard, secretária-geral da Anistia.

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