Com trabalho de mulheres vetado, quatro ONGs suspendem serviços no Afeganistão

Taleban anunciou no sábado que mulheres a serviço de organizações humanitárias não podem mais trabalhar no país

Quatro grandes organizações humanitárias anunciaram no domingo a suspensão de todos os trabalhos no Afeganistão após o Taleban ter proibido, no sábado (4), as atividades de todas as mulheres em ONGs que atuem no país. As informações são da agência Associated Press (AP).

As organizações Save the Children (Salve as Crianças, em traduçã literal), International Rescue Committee (Comitê de Resgate Internacional, Norwegian Refugee Council (Conselho Norueguês de Refugiados) e CARE alegam que é impossível dar prosseguimento aos trabalhos sem as mulheres.

São entidades que fornecem assistência médica, educação, proteção infantil e serviços de nutrição a milhares de afegãos e afegãs, adultos e crianças, em meio à grave crise humanitária que atinge o país e que aumentou dramaticamente desde que os talibãs chegaram ao poder, em agosto de 2021.

“Cumprimos todas as normas culturais e simplesmente não podemos trabalhar sem nossa dedicada equipe feminina, que é essencial para termos acesso a mulheres que precisam desesperadamente de assistência”, disse Neil Turner, chefe do Conselho Norueguês de Refugiados, que tem 468 funcionários no Afeganistão.

O Comitê Internacional de Resgate, que diz ter mais de três mil mulheres atuando no país, divulgou posicionamento semelhante. “Se não formos autorizados a empregar mulheres, não poderemos atender aos necessitados”, disse o grupo em comunicado.

De acordo com o ministro da Economia talibã, Qari Din Mohammed Hanif, as entidades que vierem a desrespeitar a decisão terão suas licenças revogadas.

Afegãos recebem ajuda humanitária após terremoto que atingiu seu país (Foto: Mark Naftalin/Unicef)

A decisão surge em um momento dramático para os afegãos. Quase metade da população do país, ou 24 milhões de pessoas, precisam de ajuda humanitária atualmente. E, de acordo com comunicado assinado por Stéphane Dujarric, porta-voz do secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), António Guterres, as mulheres são imprescindíveis para o trabalho.

“A prestação eficaz de assistência humanitária requer acesso total, seguro e sem obstáculos para todos os trabalhadores humanitários, incluindo mulheres. A proibição relatada de mulheres que trabalham com a comunidade internacional para salvar vidas e meios de subsistência no Afeganistão causará mais dificuldades incalculáveis ​​ao povo do Afeganistão”, diz o texto.

Thomas West,. representante especial do governo do EUA no Afeganistão, também manifestou repúdio e preocupação com a decisão. “O decreto do Taleban que proíbe as mulheres de trabalhar para entregar ajuda humanitária é profundamente irresponsável. Ele representa riscos mortais para milhões que dependem de assistência para salvar vidas. É o Taleban ignorando suas responsabilidades mais básicas para com seu povo”, disse ele no Twitter.

Por que isso importa?

A vida das mulheres tem sido particularmente dura no Afeganistão. Aquelas que tinham cargos no governo afegão antes da ascensão talibã seguem impedidas de trabalhar, e a cúpula do governo que prometia ser inclusiva é formada somente por homens. A perda do salário por parte de muitas mulheres que sustentavam suas casas tem contribuído para o empobrecimento da população afegã.

Na educação, o governo extremista mantém fora da escola cerca de três milhões de meninas acima da sexta série, sob o argumento de que as escolas só serão reabertas quando os radicais tiverem a certeza de um “ambiente seguro”. No dia 20 de dezembro, o grupo radical que comanda o país anunciou ainda que as mulheres estão proibidas de frequentar as universidades do Afeganistão.

Mulheres também não podem sair de casa desacompanhadas, e há relatos de solteiras e viúvas forçadas a se casar com combatentes. Para lembrar as afegãs de suas obrigações, os militantes ergueram cartazes em algumas áreas para informar os moradores sobre as regras. Em partes do país, as lojas estão proibidas de vender mercadorias a mulheres desacompanhadas.

Há ainda um código de vestimenta para as mulheres, forçadas a usar o hijab quando estão em público. Como forma de protestar, mulheres afegãs em todo o mundo iniciaram um movimento online, postando fotos nas redes sociais com tradicionais roupas afegãs coloridas, sempre acompanhadas de hashtags como #AfghanistanCulture (cultura afegã) e #DoNotTouchMyClothes (não toque nas minhas roupas).

A repressão de gênero é um das razões citadas pelas nações de todo o mundo para não reconhecerem o Taleban como governantes de direito do Afeganistão. Assim, o país segue isolado da comunidade internacional e afundado na pobreza. O reconhecimento internacional fortaleceria financeiramente um país pobre e sem perspectiva imediata de gerar riquez

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