ONU mantém operação no Afeganistão e amplia críticas ao Taleban: ‘Nunca ficaremos calados’

Entidade chegou a cogitar o fim da atuação humanitária no país devido ao veto imposto pelos radicais ao trabalho das mulheres

A ONU (Organização das Nações Unidas) anunciou na terça-feira (2) que manterá a operação humanitária no Afeganistão, apesar das restrições impostas pelo governo do Taleban ao trabalho das mulheres. No final de maio, a entidade admitiu a possibilidade de se retirar do país, mas agora voltou atrás. As informações são da agência Reuters.

“Ficamos, entregamos e estamos determinados a buscar as condições necessárias para continuar entregando”, disse o secretário-geral António Guterres após uma reunião com representantes de mais de 20 países para tratar das questões afegãs. “Os participantes concordaram com a necessidade de uma estratégia de engajamento”.

Afegãs caminham com seus bebês para encontrar agente de saúde do Unicef (Foto: Mark Naftalin/Unicef)

As restrições impostas às mulheres na sociedade afegã foram o tema central do encontro. Em dezembro do ano passado, o Taleban proibiu o trabalho de mulheres afegãs em ONGs, levando muitas agências a suspenderem as atividades por falta de mão de obra. No início de abril deste ano, a proibição foi ampliada e passou a atingir também mulheres que trabalham para as Nações Unidas.

A proibição afeta somente trabalhadoras locais, enquanto as estrangeiras seguem autorizadas a trabalhar. Porém, devido ao veto, inclusive os homens afegãos decidiram não mais comparecer ao trabalho em solidariedade às colegas. A estimativa é de que 3,3 mil afegãos, sendo 2,7 mil homens e 600 mulheres, estejam fora de serviço.

A repressão de gênero não se limita ao serviço humanitário, está em todos os setores da sociedade. A ausência das mulheres do mercado de trabalho impacta severamente na economia, e o resultado é um país com 97% da população na pobreza. Segundo a ONU, dois terços dos afegãos, ou 28 milhões de pessoas, precisarão de assistência humanitária para sobreviver em 2023. 

“Nunca ficaremos calados diante de ataques sistêmicos sem precedentes aos direitos de mulheres e meninas”, disse Guterres, que por ora descarta a possibilidade de um encontro com autoridades talibãs, cujo governo carece de reconhecimento internacional. Segundo ele, uma eventual reunião poderia ocorrer no “momento certo, mas hoje não é o momento certo”.

Embora alguns trabalhos tenham sido permitidos às mulheres, seria necessário colocar toda mão de obra feminina em ação para tentar recuperar a economia estraçalhada do país. Com uma população estimada em cerca de 40 milhões e PIB (produto interno bruto) de US$ 14,3 bilhões em 2022, o Afeganistão está entre os países com a menor renda per capita do mundo.

Além da escassez de mão de obra, fruto da proibição imposta ao trabalho feminino, as Nações Unidas precisam lutar contra a falta de verba. De acordo com Guterres, os fundos do Plano de Resposta Humanitária são insuficientes, pois apenas 6,4% dos US$ 4,6 bilhões necessários para o auxílio foram obtidos. 

Resolução no Conselho de Segurança

No dia 28 de abril, o Conselho de Segurança da ONU aprovou de forma unânime uma resolução que insta o Taleban a “reverter rapidamente” todas as medidas restritivas contra as mulheres. O documento condena em particular a proibição de afegãs trabalharem para as Nações Unidas

A resolução, adotada por todos os 15 membros do Conselho, diz que a proibição anunciada no início de abril “mina os direitos humanos e os princípios humanitários”. E pede a “participação plena, igualitária, significativa e segura de mulheres e meninas no Afeganistão”, instando todos os países e organizações com influência sobre os governantes fundamentalistas do país “a promoverem uma reversão urgente” de políticas que efetivamente apagaram as mulheres da vida pública.

Ao anunciar a resolução, a ONU sublinhou sua “condenação inequívoca” da decisão do Taleban e observou que ela viola o direito internacional, incluindo a Carta da ONU. A entidade ainda manifestou a “profunda preocupação” dos embaixadores dos 15 países signatários, dizendo que, junto com outras erosões de direitos básicos, “irá impactar negativa e severamente” nas operações de ajuda humanitária, “incluindo a prestação de assistência vital e serviços básicos aos mais vulneráveis”.

O texto também enfatiza a necessidade urgente de continuar abordando a “terrível situação econômica e humanitária” do Afeganistão e de ajudar o país a restaurar a autossuficiência, reconhecendo a importância de permitir que o Banco Central use ativos que estão atualmente congelados fora do país, “para o benefício do povo afegão ”.

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