A afegã Bibi Nazdana passou anos lutando para se divorciar do homem com quem foi forçada a casar. Aos sete anos, sua família a prometeu a um agricultor, e quando ela completou 15, ele voltou para reivindicar o casamento.
Após dois anos de uma intensa batalha judicial para dar fim ao pesadelo de um dia ter sido uma noiva criança, Bibi, hoje com 20 anos, deseja mais que tudo no mundo obter seu divórcio. No entanto, o Taleban, por meio de um tribunal, anulou os documentos que lhe concediam a separação. As informações são da BBC.
Assim, Bibi se tornou mais uma vítima da interpretação rígida da Sharia pelo grupo, que tem silenciado as mulheres dentro do sistema legal do Afeganistão.
O divórcio da jovem é apenas um entre dezenas de milhares de decisões judiciais que foram revogadas desde que os talibãs assumiram o poder no Afeganistão, três anos atrás. Bastaram apenas 10 dias após a tomada da capital, Cabul, para que o homem a quem ela foi prometida aos sete anos solicitasse aos tribunais a anulação do divórcio pelo qual Bibi tanto lutou.
Quando Nazdana tinha apenas sete anos, seu pai decidiu que ela se casaria com o agricultor Cabul Hekmatullah ao atingir a adolescência, como forma de resolver uma disputa familiar. Essa prática, chamada de “casamento ruim”, visa transformar um “inimigo” da família em “amigo”. Ao completar 15 anos, Hekmatullah veio buscar “sua esposa” para levá-la para casa. No entanto, ela imediatamente pediu o divórcio e, eventualmente, conseguiu sua liberdade.
Após Hekmatullah recorrer da decisão em 2021 – e ganhar –, Bibi foi informada que não poderia se defender pessoalmente no tribunal. “Os talibãs me disseram que eu não deveria voltar ao tribunal, que meu irmão deveria me representar”, contou à BBC. O ex-marido agora é um membro recém-inscrito do Taleban.
Abdulwahid Haqani, porta-voz da Suprema Corte do Afeganistão, confirmou a decisão favorável a Hekmatullah, alegando que não era válida porque ele “não estava presente”. Segundo ele, “a anulação do casamento de Hekmatullah e Nazdana pelo governo anterior, corrupto, violava a Sharia e as regras do matrimônio”.
Um familiar de Bibi relatou: “Eles disseram que, se não obedecêssemos, entregariam minha irmã a ele (Hekmatullah) à força”. Diante da situação, os irmãos concluíram que não tinham outra alternativa a não ser fugir do país.
Fawzia Amini, ex-juíza da Suprema Corte que deixou o país após o retorno do Talibã, afirma que é improvável que a proteção das mulheres melhore sem a presença feminina nos tribunais. “Tivemos um papel crucial”, diz ela. “Por exemplo, a Lei de Eliminação da Violência contra as Mulheres de 2009 foi uma de nossas conquistas. Também contribuímos para regulamentar abrigos para mulheres, cuidar da tutela de órfãos e criar leis contra o tráfico de pessoas, entre outros avanços”.
Bibi ainda mantém a esperança de que alguém possa ajudá-la. “Procurei ajuda em vários lugares, inclusive na ONU (Organização das Nações Unidas), mas ninguém ouviu meu apelo”, desabafou.
“Nossas leis”
Após agosto de 2021, com o colapso do governo afegão legítimo, o Taleban, que prometeu moderação, se mostrou mais interessado e engajado em enterrar qualquer resquício de progresso democrático. “Ninguém vai nos dizer quais devem ser nossas leis”, disse em entrevista em março de 2022 o mulá Nooruddin Turabi, um dos fundadores do grupo. “Seguiremos o Islã e faremos nossas leis no Alcorão.”
Alguns exemplos do que Turabi estava falando: sob a lei islâmica tradicional, a homossexualidade e o abandono do Islã, ou seja, a apostasia, recebem a pena de morte. O adultério é punido com açoitamento ou apedrejamento até a morte. O roubo é punível com a amputação de uma mão e um pé. Beber álcool e falsa acusação são puníveis com 40 ou 80 chicotadas.