Taleban usa violência para assumir o controle da imprensa no Afeganistão, diz watchdog

Repressão é encabeçada pelo Diretório Geral de Inteligência (GDI, o principal órgão de inteligência do Afeganistão

A inteligência do Taleban tem torturado e agredido jornalistas no Afeganistão, como parte da campanha dos radicais para assumir o controle da imprensa do país. A denúncia foi feita pelo watchdog Comitê Para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), entidade sediada em Nova York.

A repressão à imprensa no Afeganistão é encabeçada pelo Diretório Geral de Inteligência (GDI, na sigla em inglês), o principal órgão de inteligência do país. De acordo com o CPJ, as últimas ações sugerem que os talibãs estejam “entrando em uma nova fase assustadora em sua repressão ao cenário midiático surpreendentemente robusto que surgiu nas duas décadas após a invasão liderada pelos EUA em 2001”.

Jornalistas em Cabul, no Afeganistão (Foto: Unama/Fardin Waezi)

Inicialmente, o Taleban emitiu normas direcionadas ao trabalho jornalístico, sempre com efeitos práticos de censura. Primeiro, determinou que nenhum conteúdo jornalístico deve “contradizer os valores islâmicos” ou ir “contra os interesses nacionais”. Mais tarde, os radicais lançaram 11 novas regras, entre elas a determinação de que todo material publicado fosse debatido previamente com os talibãs.

O radicalismo em relação à mídia aumentou em novembro do ano passado, com o veto a mulheres nas novelas da televisão afegã e a exigência de uso de hijab, o tradicional véu islâmico, pelas jornalistas que eventualmente fossem exibidas na TV.

Neste ano, a violência entrou em cena, com operações de repressão noturnas e a prisão de mulheres manifestantes em Cabul. O CPJ registrou também o envolvimento do GDI em detenções extralegais e interrogatórios violentos de jornalistas e donos de empresas de mídia, denúncias que o Taleban classifica como “notícias falsas e rumores infundados”.

“O Taleban agora impôs um regime de segurança não escrito e não anunciado aos jornalistas que operam em todo o Afeganistão, segundo vários jornalistas e executivos da mídia, que falaram com o CPJ sob condição de anonimato porque temiam represálias do grupo”, diz o Comitê.

As fontes alegam que os jornalistas que atuam no país, sejam afegãos ou estrangeiros “são obrigados a ter uma carta de credenciamento do escritório do porta-voz do Taleban, que, segundo os jornalistas, recebe ordens do GDI”.

De acordo com o CPJ, tais cartas identificam o jornalista e a empresa para a qual ele trabalha e lista as regiões que o profissional tem permissão para visitar. Mas a carta não garante a liberdade de trabalhar livremente, nem mesmo protege portador do documento. “Três repórteres disseram ao CPJ que foram presos, agredidos fisicamente e interrogados, apesar de terem obtido as cartas”, diz o watchdog.

Por que isso importa?

O trabalho jornalístico tem sido seriamente afetado pela repressão imposta pelo Taleban no Afeganistão. Ao menos seis pessoas foram presas pelo grupo radical em 2022 por serem jornalistas ou colaborarem com profissionais da área. No dia 6 de janeiro, três repórteres foram detidos enquanto trabalhavam na cobertura de manifestações contra o Taleban na província de Panjshir. Eles estavam a serviço de um canal no YouTube chamado Kabul Lovers, com aproximadamente 244 mil inscritos.

Em outro caso registrado neste ano, o Taleban prendeu Faizullah Jalal, professor de Direito e ciência política da Universidade de Cabul, em 8 de janeiro. Ele foi detido por quatro dias sob acusações de fazer declarações “sem sentido” e “incitar” pessoas contra os talibãs. Depois de solto, Jalal disse ter sido preso por ter discutido com um porta-voz talibã em um debate na televisão. Aslam Ejab e Waris Hasrat, da Ariana TV, são as vítimas mais recentes da repressão talibã à mídia.

Números mostram que o jornalismo afegão tem sido sufocado pelo Taleban. Em dezembro de 2021, uma pesquisa conduzida em parceria pela ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF) e pela Associação de Jornalistas Independentes do Afeganistão (AIJA) apontou que 231 veículos de imprensa foram fechados e mais de 6,4 mil jornalistas perderam o emprego no Afeganistão desde o dia 15 de agosto, quando o Taleban assumiu o poder no país.

Os dados apontam que mais de quatro em cada dez veículos de comunicação desapareceram nesse período, e 60% dos jornalistas e funcionários da mídia estão impossibilitados de trabalhar. As mulheres sofreram muito mais: 84% delas perderam o emprego, contra 52% no caso dos homens. Entre as 34 províncias do país, em 15 delas não há sequer uma mulher jornalista trabalhando atualmente.

Dos 543 meios de comunicação registrados no Afeganistão antes da ascensão talibã, apenas 312 ainda operavam no final de novembro. Isso significa que 43% dos meios de comunicação afegãos desapareceram em um espaço de três meses. Das 10.790 pessoas que trabalhavam na mídia afegã (8.290 homens e 2.490 mulheres) no início de agosto, apenas 4.360 (3.950 homens e 410 mulheres) ainda estavam trabalhando quando a pesquisa foi realizada.

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