Vídeos que viralizaram expõem a intolerância do Taleban à música e à TV

Imagens mostram a destruição de instrumentos musicais e de uma TV, considerados pecaminosos conforme a interpretação talibã da lei islâmica

Desde que assumiu o poder no Afeganistão, em 15 de agosto, o Taleban tem colocado em prática sua interpretação extrema da Sharia, a lei islâmica. A repressão talibã atinge toda a sociedade afegã, sendo os setores do entretenimento e jornalístico dois dos mais atingidos. Algo que fica evidente em vídeos que viralizaram na internet e foram reproduzidos pelo site indiano OpIndia.

Um dos primeiros alvos da censura talibã após o grupo assumir o poder for a música. “A música é proibida, de acordo com o Islã”, disse em agosto o porta-voz da organização Zabihullah Mujahid, que enxerga a música como “pecaminosa”. Apesar do veto, à época ele destacou a expectativa de os talibãs solucionarem a questão sem a necessidade de violência. “Esperamos poder persuadir as pessoas a não fazerem tais coisas, em vez de pressioná-las”.

Vídeos que viralizaram deixam clara a intolerância do Taleban à música e à TV
Músicos deixaram o Afeganistão rumo ao Catar devido à repressão do Taleban (Foto: Afghanistan National Institute of Music/Reprodução Twitter)

Um vídeo que recentemente viralizou nas mídias sociais mostra integrantes do Taleban destruindo instrumentos. As imagens foram compartilhadas pelo jornalista paquistanês Hamza Azhar Salam. Ele afirma, porém, que o tempo pode levar o grupo a mudar de posição, quando perceber que pode usar o entretenimento a seu favor.

“Os combatentes do Taleban supostamente destroem instrumentos musicais no #Afeganistão. Maulvis (clérigos islâmicos) no #Paquistão também eram contra TV, rádio e outros modos de entretenimento antes de entrarem no movimento, e agora se beneficiam dessas plataformas. Os talibãs podem fazer o mesmo no devido tempo”.

A previsão de Salam de certa forma já pode ser verificada, vez que o Taleban faz bom uso da tecnologia para divulgar suas ideias. Celulares, computadores e redes sociais, por exemplo, são amplamente usados pelo grupo. Algo notado no próprio vídeo, que só foi gravado porque os talibãs assim o permitiram. Inclusive, nas imagens é possível ver ao menos um indivíduo com um celular na mão, fazendo um registro paralelo da cena.

Devido à intolerância dos talibãs à música, integrantes do Instituto Nacional de Música do Afeganistão (Anim) e da Orquestra de Mulheres Afegãs Zohra conseguiram deixar o país no início de outubro. No total, 101 membros, entre alunos, professores e músicos, foram transportados de avião para Doha, no Catar. “Cem vidas foram salvas. Cem sonhos foram salvos”, declarou o diretor e fundador do Anim, Ahmad Sarmast.

Em outro vídeo que se tornou viral, homens supostamente do Taleban destroem um aparelho de televisão. Antes da quebradeira, um indivíduo, possivelmente o dono do equipamento, faz a promessa de nunca mais assistir a programas de televisão. Quem divulgou as imagens em sua conta no Twitter é o afegão Natiq Malikzada, que se diz jornalista freelancer, escritor e ativista social.

“Tribunal talibã para a execução de uma #TV. Neste vídeo atribuído ao #Taleban, o talibã primeiro recebe a promessa do proprietário da TV de não assistir mais TV, e então quebra a TV”, diz o post.

Embora as emissores de televisão também tenham sofrido bastante com a repressão imposta pelo Taleban, as transmissões não foram proibidas no país. A principal censura imposta ao setor atingiu as mulheres: o fim das exibições de novelas com mulheres no elenco, além da obrigação de todas as jornalistas usarem o hijab, vestimenta preconizada pela lei islâmica.

O veto é parte de uma lista de oito diretrizes do Ministério Para a Promoção da Virtude e Prevenção do Vício para combater a “imoralidade” e as imagens que “vão contra os princípios da Sharia e dos valores afegãos”. Diz o órgão que “filmes estrangeiros e produzidos localmente que promovem a cultura e as tradições estrangeiras no Afeganistão e promovem a imoralidade não devem ser transmitidos”. Também estão vetados programas que “insultem” ou minem a “dignidade” das pessoas.

Repressão à mídia

O jornalismo afegão também tem sido sufocado pelo Taleban. Na semana passada, uma pesquisa conduzida em parceria pela ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF) e pela Associação de Jornalistas Independentes do Afeganistão (AIJA) apontou que 231 veículos de imprensa foram fechados e mais de 6,4 mil jornalistas perderam o emprego no Afeganistão desde o dia 15 de agosto, quando o Taleban assumiu o poder no país.

Os dados apontam que mais de quatro em cada dez veículos de comunicação desapareceram nesse período, e 60% dos jornalistas e funcionários da mídia estão impossibilitados de trabalhar. As mulheres sofreram muito mais: 84% delas perderam o emprego, contra 52% no caso dos homens. Entre as 34 províncias do país, em 15 delas não há sequer uma mulher jornalista trabalhando atualmente.

Dos 543 meios de comunicação registrados no Afeganistão antes da ascensão talibã, apenas 312 ainda operavam no final de novembro. Isso significa que 43% dos meios de comunicação afegãos desapareceram em um espaço de três meses. Das 10.790 pessoas que trabalhavam na mídia afegã (8.290 homens e 2.490 mulheres) no início de agosto, apenas 4.360 (3.950 homens e 410 mulheres) ainda estavam trabalhando quando a pesquisa foi realizada.

Vídeos que viralizaram deixam clara a intolerância do Taleban à música e à TV
Jornalistas em Cabul (Foto: Unama/Fardin Waezi)

Em muitas localidades, o Taleban impõe condições à mídia local que incluem não empregar mulheres como jornalistas. Mesmo na capital Cabul, onde a presença feminina era maior, o cenário da mídia em grande parte sem profissionais do sexo feminino. Isso porque poucas ousaram retornar ao trabalho depois que os talibãs assumiram o governo. Das 1.190 mulheres jornalistas e profissionais da mídia na capital no início de agosto, apenas 320 trabalham hoje, uma queda de 73%.

A mídia é obrigada a respeitar uma cartilha do Ministério da Informação e Cultura, as “11 Regras do Jornalismo”. É uma arma do governo talibã para impor o rigor religioso também ao jornalismo. Em, determinadas províncias, programas jornalísticos e musicais tiveram que dar lugar ao conteúdo religioso, veto que levou algumas estações de rádio locais a encerrarem suas transmissões.

“As perigosas ‘Regras do Jornalismo’ abrem caminho para a censura e a perseguição e privam os jornalistas de sua independência, forçando-os a dizer aos funcionários do Ministério da Informação e Cultura o que gostariam de cobrir, obter sua permissão para prosseguir e, finalmente, informá-los sobre os resultados de seus relatórios para poder publicá-los”, diz a RSF.

Ainda assim, o porta-voz Zabihullah Mujahid afirma que o governo talibã apoia “a liberdade da mídia na estrutura definida para preservar os interesses superiores do país, com respeito à Sharia e ao Islã”. Segundo ele, o governo talibã quer “ajudar os meios de comunicação que estão operando a continuar a fazê-lo e ajudar os demais a encontrar soluções para que possam retomar suas atividades”.

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