O compartilhamento de informações entre os países da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) está sob risco, à medida que cresce a desconfiança entre seus membros. Divergências históricas entre aliados ocidentais e países do Leste Europeu se intensificaram após a invasão russa da Ucrânia. Agora, a possibilidade de uma reaproximação entre Washington e Moscou durante o governo de Donald Trump gera novas incertezas sobre a segurança dos dados compartilhados dentro da aliança. As informações são do site Politico.
O receio em relação a alguns países do bloco, como Hungria e Eslováquia, já existia. Ambos são vistos como pouco confiáveis devido às suas posições mais brandas em relação ao Kremlin. Agora, no entanto, preocupação semelhante paira sobre os próprios Estados Unidos.
“Há muitos cochichos nos corredores da Otan sobre o futuro do compartilhamento de inteligência dentro da aliança”, afirmou Julie Smith, ex-embaixadora americana na aliança.

O alerta ganhou força após relatos de que os EUA teriam interrompido temporariamente o repasse de informações para a Ucrânia, como forma de pressionar Kiev a negociar com a Rússia. A medida foi vista como um sinal de que Washington pode rever sua política de cooperação, levantando dúvidas sobre o compromisso americano com a aliança.
Para especialistas, a erosão da confiança na Otan pode comprometer a segurança coletiva. “Em um momento em que eles precisam de mais inteligência, haverá menos sendo compartilhada”, disse Daniel Stanton, ex-funcionário do serviço de inteligência canadense CSIS. Segundo ele, “há menos consenso sobre quem é o inimigo comum” e isso faz com que os países se tornem mais cautelosos.
A nomeação de Tulsi Gabbard como diretora de Inteligência Nacional nos EUA também tem causado apreensão. A ex-congressista é conhecida por posições alinhadas a narrativas russas sobre os conflitos na Ucrânia e na Síria. Seu encontro com Bashar al-Assad, ex-presidente sírio acusado de crimes contra a humanidade, também levantou suspeitas entre aliados.
As tensões não são exclusivas da Otan. O próprio grupo de inteligência Five Eyes, formado por EUA, Reino Unido, Austrália, Canadá e Nova Zelândia, também enfrenta incertezas. No mês passado, o jornal Financial Times noticiou que assessores da Casa Branca estudavam excluir o Canadá do grupo, algo que seria inédito.
Nos bastidores da Otan, alguns oficiais afirmam que as recentes mudanças políticas ainda não afetaram diretamente o fluxo de informações. “Pessoas da inteligência podem compartilhar e conversar entre si sob condições que outros não podem”, disse um deles. No entanto, o mesmo oficial admitiu que “naturalmente, há muitas questões em aberto” após a reunião entre Trump e o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky.
O compartilhamento de inteligência sempre foi um dos pilares da cooperação entre os membros da Otan. No entanto, mesmo antes da recente crise, havia limitações. Informes obtidos por espionagem humana costumam ser compartilhados apenas entre pequenos grupos de países, baseados em “círculos de confiança”. Já dados obtidos por vigilância eletrônica e satélites têm um compartilhamento mais amplo, mas ainda assim controlado.
A desconfiança entre os aliados também tem histórico. Durante a Guerra Fria, países ocidentais eram cautelosos ao compartilharem dados com ex-membros do Pacto de Varsóvia. Hoje, suspeitas recaem principalmente sobre a Hungria de Viktor Orbán e a Eslováquia de Robert Fico. “A inteligência húngara só é informada sobre ameaças urgentes de terrorismo, nada mais”, disse Gustav Gressel, da Academia de Defesa Nacional de Viena.
Em meio a tantas incertezas, a grande questão para o futuro da Otan é se os EUA continuarão sendo um parceiro confiável para a segurança transatlântica. “O compartilhamento de inteligência sempre foi uma das melhores coisas sobre a Otan”, disse um ex-oficial da aliança. “Ele melhora a segurança coletiva e ajuda países menores a se manterem informados sobre ameaças.” Agora, o temor é que essa colaboração esteja prestes a ruir.