Otan completa 75 anos com defesas comprometidas e em ‘confronto direto’ com a Rússia

Autoridades de países-membros alertam que o baixo investimento em defesa coloca a aliança ao alcance de Moscou nos próximos anos

Na quinta-feira (4), quando completou 75 anos, a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) concluiu uma reunião de dois dias em sua sede em Bruxelas, na Bélgica. O apoio à Ucrânia dominou a pauta, mas há uma preocupação mais ampla neste momento. A guerra do aliado com a Rússia esvaziou os arsenais dos países-membros e evidenciou um problema que precisa ser solucionado com urgência: as defesas da aliança estão comprometidas.

A celebração dos 75 anos ocorre em um momento emblemático, conforme cresce a tensão entre a Otan e Moscou que pode culminar no maior desafio da história da aliança. Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, resumiu bem a situação. “Na verdade, as relações caíram agora para o nível de confronto direto”, disse ele na quinta-feira (4), segundo a agência Reuters.

A opinião não se limita ao lado russo. Dentro da Otan, têm se seguido manifestações de autoridades sobre a iminência de um confronto direto, embora atribuam a iniciativa ao Kremlin. A projeção é sempre a mesma: a Rússia em algum momento atacará um dos membros. Só o que muda de uma fonte para outra é o prazo

“A Rússia escolheu um caminho que é um confronto de longo prazo, e o Kremlin está provavelmente antecipando um possível conflito com a Otan dentro da próxima década ou mais”, disse em fevereiro Kaupo Rosin, chefe do serviço de inteligência da Estônia, conforme relatou a Reuters.

Secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, janeiro de 2024 (Foto: NATO)

O almirante Rob Bauer, chefe do Comitê Militar da Otan, fez projeção semelhante em janeiro. “Temos que perceber que não é um dado adquirido que estamos em paz. E é por isso que [nossas forças] estão se preparando para um conflito com a Rússia”, disse ele, de acordo com o jornal The Times. “Tudo começa aí. Na percepção de que nem tudo pode ser planejado, nem tudo será ótimo nos próximos 20 anos.”

A primeira-ministra da Estônia, Kaja Kallas, foi outra a projetar um confronto com Moscou. Ela avaliou, porém, que a aliança deve estar pronta para isso acontecer em um prazo bem mais curto.

“A nossa inteligência estima que seja de três a cinco anos (o prazo para o ataque russo), e isso depende muito de como gerimos a nossa unidade e mantemos a nossa postura em relação à Ucrânia”, afirmou Kallas, também em entrevista ao The Times. “Porque o que a Rússia quer é uma pausa, e esta pausa é para reunir os seus recursos e forças. A fraqueza provoca agressores, então a fraqueza provoca a Rússia.”

A “fraqueza” citada por Kallas foi identificada pela própria aliança. O apoio a Kiev comprometeu os estoques de armas e principalmente de munição dos membros, e o baixo investimento em defesa que fizeram nos últimos anos prejudica um eventual projeto de recuperação.

“A Otan estava sonolenta na década de 2010, focada na guerra ao terror e não nas ameaças regionais. Os gastos com defesa permaneceram baixos em todo o Ocidente, não apenas por causa das pressões orçamentais, mas também porque todos, incluindo os EUA, estavam com medo de provocar a Rússia”, avaliou Rasa Jukneviciene, que foi ministra da Defesa da Lituânia entre 2008 e 2012 e concedeu entrevista à rede CNN por conta dos 75 anos da aliança.

Ainda conforme a autoridade lituana, essa falha encorajou Moscou a atacar Kiev. “Na minha opinião, isso significava que a Rússia podia ver que a Otan não levava a sério a sua própria defesa, o que tornou a invasão da Ucrânia muito menos intimidante”, disse ela.

Mudança de rumo

Apesar das avaliações pessimistas, a Otan tem se movimentado para corrigir o rumo. Em maio de 2023, o secretário-geral Jens Stoltenberg fez uma cobrança pública a seus membros pelo aumento dos gastos com as Forças Armadas. Destacou, na oportunidade, a necessidade de um acordo para que cada nação comprometesse um mínimo de 2% do PIB.

Citando um relatório de 2021 da aliança militar, ele destacou que, dos 30 países-membros (excluídas aí as recém adicionadas Suécia e Finlândia), apenas sete atingiram a meta de alocar 2% do PIB para gastos com defesa antes do início do conflito entre Rússia e Ucrânia.

Na opinião de John Herbst, ex-embaixador dos EUA na Ucrânia, a falta de investimento encoraja Putin a agredir a aliança, assim como deu a ele a segurança de que poderia atacar a Ucrânia. “Uma coisa é absolutamente certa: se os aliados na Europa tivessem atingido a sua meta de 2%, em particular, a Alemanha, haveria muito mais armas para dar à Ucrânia sem enfraquecer a defesa dos seus próprios países”, disse ele à CNN.

Berlim tem escutado as críticas e vem se movimentando para silenciá-las. “A Alemanha investirá 2% do seu PIB na defesa na década de 2020, na década de 2030 e além”, disse em fevereiro o chanceler Olaf Scholz, de acordo com a rede CNBC. “Nós, europeus, devemos cuidar muito mais da nossa própria segurança, agora e no futuro.”

Atentos à ameaça russa, outros países caminham na mesma direção da Alemanha. Tanto que Stoltenberg fez nova avaliação mais recente, e o pessimismo deu lugar ao otimismo. Em fevereiro, ele projetou que o número de países que investirão os 2% do PIB em defesa neste ano subirá para 18, segundo a CNN.

“Este é outro número recorde e um aumento de seis vezes em relação a 2014, quando apenas três aliados atingiram o seu objetivo”, disse o secretário-geral na oportunidade.

Nesta quinta, na comemoração dos 75 anos, Stoltenberg voltou a dar a seus membros um bom motivo para que sigam ampliando o investimento em defesa. Focado no apoio à Ucrânia, a bola de vez, exaltou os novos pacotes de armas anunciados recentemente. Destacou os mísseis e blindados fornecidos pela França, a iniciativa para fornecer artilharia liderada pela República Tcheca, os drones cedidos pelo Reino Unido e os 188 milhões de euros prometidos pela Finlândia.

Porém, deixou claro que a ajuda está longe de ser suficiente para garantir a sobrevivência ucraniana. “Precisamos fazer ainda mais e colocar o nosso apoio numa base ainda mais firme e duradoura”, declarou. “À medida que os poderes autoritários se alinham cada vez mais, a Otan e os seus parceiros devem permanecer unidos para defender uma ordem global governada pela lei e não pela força.”

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