Para ‘think tank’, sistema de direitos humanos perde com aumento de espaço da China

Objetivo seria diminuir a prestação de contas de Beijing e de outros acusados de violações em entidades como a ONU

O aumento da participação chinesa em mecanismos de apoio aos direitos humanos teria como principal objetivo miná-los por dentro, de acordo com estudo do think tank norte-americano Brookings. O objetivo é diminuir a prestação de contas de Beijing e de outros acusados de violações.

O material recapitula as interações do governo chinês com órgãos da ONU (Organização das Nações Unidas) como o Conselho de Direitos Humanos. Também são avaliados os tratados ratificados por Beijing e o esforço de emplacar de seus diplomatas na chefia de organizações mulilaterais.

Já ações como a chamada Iniciativa do Cinturão e Rota, megapacote global de aportes e empréstimos, e a criação do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura têm o potencial de violar pressupostos de direitos humanos em tese já bem estabelecidos pela comunidade internacional.

Para 'think tank', sistema de controle a violações de direitos humanos perde com aumento de espaço da China
O presidente da China, Xi Jinping, fala à Assembleia Geral da ONU (Foto: Cia Pak/UN Photo)

A meta seria escapar das normas de governança impostas por entidades como o FMI (Fundo Monetário Internacional) e pelo Banco Mundial. Os investimentos geram boa vontade desses países para com Beijing e permitem o acesso chinês aos mercados de mais de 70 países.

Nesses contratos estão previstas políticas como securitização de ativos físicos, ou confiscos em caso de default. Tornou-se célebre o caso do porto de Hambantota, no Sri Lanka: o governo, sem conseguir pagar a dívida, cedeu o local aos chineses por 99 anos.

Os acordos também permitem que os empréstimos sejam realizados sem nenhum apego a padrões mínimos de responsabilidade social e ambiental. As negociações entre os governos envolvidos não são informadas à população, abrindo caminho para corrupção generalizada.

Entre os exemplos estão as barragens de Souapiti, na Guiné, e do Baixo Sesan II, no Camboja. Nos dois casos, há acusações de expulsão forçada das comunidades tradicionais, que também não foram compensadas de forma adequada pela perda de suas terras.

Bloqueios no Conselho

A tentativa do governo de Xi Jinping seria a não apenas “neutralizar” os mecanismos de respeitos aos direitos humanos na ONU, mas de garantir que nenhum país possa ser responsabilizado no futuro.

Para 'think tank', sistema de controle a violações de direitos humanos perde com aumento de espaço da China
Treinamento para parada militar em Hebei, na China (Foto: Flickr/gadgetdan)

Na prática, esvazia-se a organização em um dos pressupostos que ensejaram sua fundação, após a Segunda Guerra Mundial, em 1945.

O modelo de “desenvolvimento sem direitos” vigente no país seria “ferramenta de política externa a ser empregada no resto do mundo”.

“Beijing não está mais contente em negar prestação de contas dentro da China. Quer aumentar a capacidade de outros países de fazê-lo mesmo em corpos internacionais, desenhados para entregar algum semblante de justiça mesmo quando esta é bloqueada internamente”, afirma o relatório.

Por meio de resoluções, os chineses estariam minando a possibilidade de responsabilização enquanto usam uma linguagem que pede “diálogo” e “negociação”, sem que os países envolvidos respondam pelos abusos.

Em junho deste ano, a China foi respaldada por Irã, Rússia, Cuba, Malásia, Coreia do Norte, Belarus, Mianmar, Burundi, Iêmen, Síria, Somália, Moçambique, Paquistão, Tailândia e Mianmar em um documento do tipo.

Em troca, Beijing bloqueia resoluções no Conselho de Segurança, onde têm assento permanente, de seus aliados.

Um material que condenava a limpeza étnica do povo rohingya em Mianmar foi paralisado graças à intervenção chinesa em fevereiro de 2020. Dois anos antes, foi a vez de impedir o trabalho do então alto-comissário para a Síria, Zeid Raad al-Hussein.

Os direitos humanos seriam uma “questão de relações Estado-Estado”, sem a interferência de um sistema externo como mediador. Assim, o país construiria “um novo tipo de relações internacionais” que não “‘interfiram’ em assuntos internos, ‘envenenando a atmosfera global de governança'”.

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Mulher e menino uigures em uma das ruas da capital de Xinjiang, Urumqi, em agosto de 2009 (Foto: Flickr/Dmitry P)

Em 2017, a ONG Human Rights Watch já havia denunciado perseguição contra enviados da ONU e grupos da sociedade civil no país. O escritório do Alto Comissariado da organização não foi aberto na China e os outros braços da ONU autorizados a funcionar sequer mencionam a questão.

No caso da repressão e suspeita de limpeza étnica dos uigures na região de Xinjiang, no oeste do país, a responsabilização de Beijing foi nula. Suspeita-se que o país mantenha cerca de um milhão de muçulmanos uigures, etnia com raízes nos povos da Ásia Central, em acampamentos de “reeducação”.

Quando confrontada com violações em seu território, a China junta dezenas de outros países com péssimos históricos de abuso para garantir o bloqueio de eventuais investigações.

Dentro e fora do país

Agora, além da censura interna, o governo chinês tem investido em mecanismos extraterritoriais, ou seja, fora do país. Entre os exemplos estão o monitoramento de acadêmicos e das comunidades chinesas no exterior. Há relatos de ameaças a familiares que permaneceram na China.

Personalidades que se encontram com o Dalai Lama, maior autoridade tibetana no exílio, também podem ser sancionadas. Tibetanos ou uigures têm sido contemplados com regras de restrição de viagem, incluindo confiscos de passaportes.

Já empresas ocidentais, como a Disney, são obrigadas a ignorar em suas obras qualquer menção a temas considerados indigestos pelo governo chinês, caso queiram acessar o mercado local.

Freio na censura

Entre as sugestões do think tank para contrapesar as investidas chinesas estão a exigência de mecanismos básicos de conformidade em empréstimos e investimentos a países devedores.

As populações dos países receptores de capital chinês devem ser adequadamente informadas sobre os termos dos acordos.

Os governos também devem rastrear eventuais tentativas de Beijing de cercear o discurso livre fora de suas fronteiras e impor sanções econômicas e contra agentes do governo local, se necessário.

Para o instituto, será fundamental que governos e empresas imponham cláusulas de liberdade de expressão, privacidade e associação, entre outros exemplos, nas tratativas com os chineses.

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