Acordos de segurança da China com outras nações escondem interesses escusos, aponta relatório

Beijing usa atividades policiais no exterior para explorar oportunidades de inteligência e assediar seus próprios cidadãos

Sob o argumento de atuar como uma força de segurança global, apresentando assim uma alternativa à atual ordem mundial, a China estabeleceu em 2022 sua Iniciativa de Segurança Global (ISG). O programa promove parcerias policiais com outras nações, fornecendo treinamento ou patrulhas conjuntas e exportando ou doando tecnologia e equipamentos. Por trás, porém, Beijing esconde interesses escusos, como oportunidades de inteligência e a vigilância de cidadãos chineses no exterior. É o que aponta um relatório do think tank Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, na sigla em inglês).

“As atividades policiais globais da China estão se tornando cada vez mais amplas, complexas e diversas por natureza”, diz o documento, que destaca a reação negativa de alguns parceiros. “Os acordos de policiamento nem sempre saem como planejado e, em alguns casos, foram revogados devido à desaprovação nacional ou regional”.

Um caso emblemático é o da Itália, que cancelou o acordo policial com a China um ano antes de o país europeu se retirar também da Nova Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês, de Belt And Road Initiative). Na ocasião, a reação do governo italiano ocorreu após surgirem relatos de que Beijing operava delegacias policiais secretas no país.

Agentes de polícia da China, junho de 2019 (Foto: Mussi Katz/Flickr)

A denúncia foi feita em 2022 pela ONG de direitos humanos Safeguard Defenders, segundo a qual a China gerenciava ao menos 54 “centros de serviço da polícia no exterior” e os usava para assediar cidadãos chineses em países estrangeiros. Desde que a informação veio à tona, diversos países passaram a investigar a prática, com algumas dessas estações ordenadas a encerrar as atividades.

Os centros foram originalmente criados como associações comunitárias de cidadãos de uma mesma região chinesa e forneciam apoio administrativo a turistas e imigrantes, como por exemplo para a confecção de documentos. Com o tempo, porém, passaram a ser usados para reprimir dissidentes e cidadãos chineses acusados de supostos crimes em seu país, uma atuação que se enquadra na ISG.

O relatório do ISS destaca tais atividades como o “elemento político” da Iniciativa chinesa criada pelo presidente Xi Jinping. “A exportação de tecnologia e a integração de técnicos chineses nas agências de segurança de países estrangeiros forneceram à China oportunidades de inteligência, a capacidade de conduzir vigilância de cidadãos chineses no exterior e uma maneira de garantir a legitimidade e a segurança contínuas do PCC (Partido Comunista Chinês)”, diz o texto.

Já as “oportunidades de inteligência” estão atreladas sobretudo ao fornecimento de tecnologia por parte de Beijing aos parceiros. Nações ocidentais frequentemente alertam que a aparelhagem oferece riscos de segurança quando integrada aos sistemas nacionais, pois pode ser usada para extrair dados ou menos realizar vigilância em instalações estatais estrangeiras.

Um caso se enquadra nesse cenário. Em janeiro de 2017, a União Africana (UA) descobriu que servidores de sua sede, na capital etíope Adis Abeba, enviavam diariamente, durante a madrugada, dados sigilosos a um servidor na China e que o prédio estava repleto de microfones escondidos. Os servidores foram trocados, mas um problema semelhante se repetiu em 2020, quando os novos foram invadidos por hackers chineses que roubaram vídeos de vigilância das áreas interna e externa.

Não por coincidência, o prédio havia sido construído com financiamento chinês, por uma construtora chinesa. E os servidores originais, aqueles de 2017, eram chineses. Esse episódio, com o qual Beijing nega ter relação, explica a desconfiança generalizada com a infraestrutura digital proveniente da China citada pelo IISS.

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