Burkina Faso expulsa jornalistas francesas após reportagem sobre execução de crianças

País africano tem agido com mão de ferro contra a França desde que o capitão Ibrahim Traoré assumiu o poder no ano passado após golpe de Estado

Burkina Faso expulsou na noite de sábado (1º) as correspondentes de dois grandes jornais diários franceses, o Le Monde e o Libération. O ato, além de ser um sinal da piora da liberdade de imprensa no país controlado por uma junta militar, evidencia como as relações com Paris se deterioraram após o governo da França ter acatado um pedido do governo central para retirada das suas tropas da nação africana, que luta contra a violência jihadista. As informações são da rede BBC.

“Nossa correspondente em Burkina Faso, Sophie Douce, foi expulsa do país, ao mesmo tempo que sua colega do ‘Libération‘, Agnes Faivre”, disse o Le Monde no domingo (2). Elas foram mandadas de volta para casa logo após a publicação de uma investigação do Libération sobre um vídeo que mostrava crianças sendo executadas supostamente por militares.

Ambas foram convocadas pelas autoridades na noite de sexta-feira (31) e receberam 24 horas para deixar o país. Eles desembarcaram em Paris na manhã de domingo (2), acrescentou o jornal.

Junta militar que assumiu o poder após golpe de Estado em Burkina Faso (Foto: RTB/Captura de tela)

O trabalho de Faivre sobre crianças e adolescentes supostamente mortos em um quartel militar provavelmente desagradou as autoridades, disse o Libération.

“Essas restrições à liberdade de informação são inaceitáveis ​​e o sinal de um poder que se recusa a permitir que suas ações sejam questionadas”, afirmou.

O Le Monde, por sua vez, “condena nos termos mais veementes esta decisão arbitrária”, sublinhando que “Sophie Douce, tal como a sua colega, exerce para o Le Monde Afrique um jornalismo independente, longe de qualquer pressão”.

O porta-voz do governo burquinense, Jean-Emmanuel Ouedraogo, declarou após a publicação da reportagem que “o governo condena veementemente essas manipulações disfarçadas de jornalismo para manchar a imagem do país”.

A expulsão dos jornalistas é o mais recente sinal de que o regime do capitão Ibrahim Traoré, no comando desde o desde o golpe de Estado de setembro de 2022, está reprimindo a mídia francesa. Anteriormente, ele havia suspendido as transmissões de dois meios de comunicação estatais, a rede France 24 e a Radio France International (RFI).

Da França à Rússia

Burkina Faso já teve a França como forte aliada, mas o regime militar está mudando o cenário ao estreitar laços com a Rússia, que vem expandindo seus esforços para construir influência na África há anos por meio de negócios de armas, investimento econômico e apoio militar através do Wagner Group.

Embora Uagadugu insista em negar qualquer acordo com os mercenários russos para substituir as tropas fracesas, membros do Wagner Group já foram vistos no país. Inclusive, o governo de Gana chegou a dizer que uma mina seria usada como pagamento aos mercenários em Burkina Faso.

O direcionamento de Uagadugu para Moscou pode ser notado desde o golpe de Estado que colocou o capitão Ibrahim Traoré no poder. Ele derrubou o líder anterior, o tenente-coronel Paul-Henri Sandaogo Damiba, justamente sob o argumento de que não vinha tendo sucesso na luta contra grupos extremistas islâmicos.

Damiba chegou a cogitar a possibilidade de contratar o Wagner Group para as operações de contraterrorismo. Porém, mudou de ideia e incomodou o alto escalão das forças armadas burquinenses, abrindo espaço para Traoré assumir.

Constantin Gouvy, pesquisador de Burkina Faso no Instituto Holandês de Relações Internacionais, confirmou que a escolha de parceiros vinha sendo um dos principais pontos de discórdia entre a junta militar que governava o país, o exército e a população.

“Damiba estava se inclinando para a França, mas podemos ver o MPSR (a junta militar que governa o país) explorando mais ativamente alternativas a partir de agora, com a Turquia ou a Rússia, por exemplo”, afirmou Gouvy.

Moscou inclusive é suspeita de participação ativa no golpe de Estado de setembro de 2022. Logo após a tomada de poder, manifestantes foram às ruas saudar o novo governo e bandeiras da Rússia foram vistas nas mãos de alguns burquinenses, que ainda protestaram contra a presença de tropas da França no país.

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