Relatores da ONU citam Wagner Group e pedem investigação de crimes de guerra no Mali

Denúncias falam em saques, execuções sumárias, valas comuns, tortura, estupro, desaparecimentos forçados e detenções arbitrárias

Relatores de direitos humanos independentes, designados pela ONU (Organização das Nações Unidas), pediram na terça-feira (31) a abertura de uma investigação para apurar possíveis crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos no Mali pelo próprio governo maliano e por mercenários do Wagner Group, da Rússia.

Os especialistas dizem ter recebido desde 2021 denúncias de abusos diversos praticados no país africano. Seriam casos de execuções sumárias, corpos depositados em valas comuns, tortura, estupro, saques, detenções arbitrárias e desaparecimentos forçados. A região de Mopti, no centro do Mali, seria o principal foco.

Um episódio em particular chama a atenção dos relatores: o massacre de civis em Moura, uma vila controlada por extremistas islâmicos. Na ocasião, no final de março de 2022, entre 350 e 380 pessoas foram mortas durante quatro dias de intervenção.

Outra preocupação dos especialistas é o aumento da terceirização de funções militares tradicionais para o Wagner Group em várias operações militares. Para os relatores da ONU, o uso de mercenários, agentes semelhantes e empresas privadas de segurança agrava o ciclo de violência e impunidade que prevalece no Mali.

Devido às atividades de grupos extremistas, o deslocamento interno continua alto no Mali. Em dezembro, o número era de cerca de 412 mil pessoas. No total, 8,8 milhões de pessoas precisam de assistência humanitária, um aumento de 17% desde o início de 2022. Dois milhões de crianças menores de cinco anos continuam afetadas pela desnutrição aguda.

Assimi Goita, coronel que governa o Mali, escoltado pelo exército (Foto: reprodução/Twitter/PresidenceMali)
Limbo jurídico

Wagner Group, que há até pouco tempo era envolto em mistério, resolveu tornar sua existência pública no ano passado. Então, em novembro, inaugurou a referida base central de operações em São Petesburgo, a segunda maior cidade da Rússia, que serve também como centro para desenvolvimento de novas tecnologias militares a serviço do país.

Porém, a situação legal da organização ainda é nebulosa, o que abre caminho para a impunidade. As vítimas dos mercenários enfrentam muitos desafios no acesso à justiça e reparação pelos abusos. “A falta de transparência e ambiguidade sobre a situação jurídica do Wagner Group, combinada com represálias contra aqueles que ousam se manifestar, criam um clima geral de terror e total impunidade para as vítimas dos abusos”, dizem os relatores.

Presença crescente na África

Atualmente, o Wagner Group marca presença em ao menos seis países africanos. Para isso, conta com o suporte da propaganda do Kremlin, que há anos realiza uma campanha de influência no continente, sobretudo focada em nações politicamente instáveis. O governo russo faz uso das redes sociais para difundir uma imagem favorável junto à população local e atua até mesmo para influenciar protestos.

Foi assim, por exemplo, em Burkina Faso, onde a Rússia é suspeita de participação ativa no golpe de Estado de setembro do ano passado. Logo após a tomada de poder pelo capitão Ibrahim Traoré, muitos manifestantes foram às ruas saudar o novo governo, com bandeiras da Rússia vistas nas mãos dos burquinenses, que também protestaram contra a presença de tropas da França no país.

Traoré derrubou o líder anterior, o tenente-coronel Paul-Henri Sandaogo Damiba, sob o argumento de que ele não vinha tendo sucesso na luta contra grupos extremistas islâmicos. Damiba chegou a cogitar a possibilidade de contratar o Wagner Group para as operações de contraterrorismo, mas mudou de ideia e incomodou o alto escalão das forças armadas burquinenses.

Com um novo militar no poder, o país africano agiu rápido e determinou na semana passada que as tropas da francesas, antigas parceiras de Burkina Faso no combate ao extremismo, deixassem o país.

Sem a França para dar suporte às tropas locais, o Wagner Group tende a assumir papel de maior parceiro do governo local no combate ao terrorismo. Movimentação idêntica ocorreu no vizinho Mali, de onde os militares franceses foram expulsos para dar lugar aos mercenários russos.

Embora Uagadugu insista em negar qualquer acordo com os russos, membros do Wagner Group já foram vistos no país. Inclusive, o governo de Gana chegou a dize que uma mina seria usada como pagamento aos mercenários em Burkina Faso. No Mali, fontes sustentam que os serviços da organização russa custem US$ 10,8 milhões por mês, dinheiro que viria da extração de minerais.

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