A quantidade de trabalhadores chineses no continente africano despencou nos últimos anos, atingindo o número mais baixo já registrado. Dados do Gabinete Nacional de Estatísticas da China apontam que em 2022, último período computado, havia apenas 88.371 profissionais do país em atividade na África, contra 263.696 de 2015. Esses dados, ao menos em parte, podem ser explicados pela queda de popularidade da Nova Rota da Seda (em inglês Belt and Road Initiative, ou BRI), segundo informações da rede Voice of America (VOA).
Lançada em 2013 pelo presidente Xi Jinping, a BRI é uma estratégia de infraestrutura voltada a espalhar a influência da China por todos os continentes. Para isso, constrói rodovias, usinas de energia, portos, ferrovias e redes 5G, numa teia de acordos comerciais que conectam Ásia, América, África e Europa. Há quem calcule que ela movimentou um trilhão de dólares em investimentos chineses.
Ultimamente, porém, cada vez menos países buscam Beijing para aderir à iniciativa, conforme os EUA e a União Europeia (UE) lançam alternativas concorrentes e passam a atrair governos. Os novos acordos da China têm se concentrado sobretudo na região da Ásia-Pacífico, embora alguns projetos venham sendo retomados em outras partes do mundo. Ainda assim, é improvável que a BRI ganhe tração a ponto de elevar o número de trabalhadores chineses no exterior aos níveis anteriores.
“Não temos dados para 2023, mas ouvimos dizer que mais projetos adiados estão sendo retomados. No entanto, é pouco provável que vejamos os números elevados do passado”, disse Deborah Brautigam, diretora da Iniciativa de Investigação China-África, da Universidade Johns Hopkins, que avaliou dados do período entre 2009 e 2022.
Embora a queda do número de chineses em atividade na África esteja ligado também à pandemia, os especialistas insistem que a redução das obras gerenciadas por Beijing não se deve somente à Covid-19.
“Pode ser que alguma construção tenha sido reiniciada desde 2022, mas sabemos que o número global de projetos financiados pela China tem estado em declínio há vários anos, e os últimos anos prejudicaram quaisquer novos acordos de projetos. Portanto, não esperaria quaisquer aumentos dramáticos nestes números tão cedo”, disse Yunnan Chen, pesquisadora do ODI Global, um think tank britânico.
No início, os governos receberam muito bem o dinheiro chinês, especialmente pelo fato de isso ter ocorrido logo após uma recessão global histórica. Hoje, com muitas das nações inseridas na BRI em situação financeira dramática, manter em dia o pagamento das dívidas é missão árdua.
Entre 2020 e o final de março de 2023, cerca de US$ 78,5 bilhões em empréstimos foram renegociados ou cancelados, conforme dados compilados pela organização de pesquisa Rhodium Group. Para se ter ideia de quanto o problema cresceu, entre o início de 2017 e o final de 2019 haviam sido cancelados ou renegociados apenas US$ 17 bilhões.
Nesse o caso se enquadra Angola, cujo governo apostou alto no seu setor de petróleo para conseguir pagar uma dívida de cerca de US$ 2 bilhões investidos pelo Banco de Exportação e Importação da China. O dinheiro foi usado sobretudo para reconstruir o país após a guerra civil encerrada em 2002. Porém, a queda do preço dos combustíveis comprometeu os planos de pagamento de Luanda.
Desde a adesão à BRI, Angola recebeu investimentos de US$ 12 bilhões de Beijing com base na iniciativa, embora a dívida total com credores chineses esteja na casa dos US$ 21 bilhões. Com as contas apertadas, o governo vinha se distanciando da China e se aproximando dos EUA, mas Xi Jinping não aceitou o divórcio iminente. Em recente visita do presidente angolano João Lourenço a Beijing, a nação africana aceitou ampliar a parceria, sob o argumento de receber investimentos para diversificar a economia e reduzir a dependência do petróleo.
Angola foi o segundo país com a maior perda de trabalhadores chineses, segundo os dados do Gabinete Nacional de Estatísticas, indo de 50 mil no auge para os sete mil atuais. A Argélia lidera nesse quesito, saindo de 91 mil para sete mil. No sentido contrário surge o Zimbábue, que se manteve estável com cerca de mil chineses em atividade, fruto do investimento chinês crescente em metais, algo que a nação do sul da África tem em abundância.
Nos últimos anos, Beijing também se viu forçada a atender a uma antiga demanda dos africanos: a geração de empregos. Assim, cada vez mais os especialistas chineses têm sido substituídos por mão de obra local, inclusive em posições mais qualificadas.
Por mais que a BRI siga viva na África, a redução é incontestável. O próprio Xi afirmou, em novembro de 2022, que atualmente seu governo está mais preocupado em “injetar novo ímpeto no desenvolvimento e prosperidade da Ásia-Pacífico”, até para fortalecer sua posição geopolítica em uma região de intensa concorrência com Washington. É para lá que deve ir a maior parte do dinheiro chinês.