Sob desconfiança, Nova Rota da Seda adota abordagem regional e sugere mudança de foco

Iniciativa é o principal compromisso de política externa de Xi Jinping e visa a financiar projetos de infraestrutura em todo o mundo

Após a crise financeira internacional de 2008, começou a se desenhar na China o que viria a ser a Nova Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês, de Belt And Road Initiative), uma iniciativa implementada oficialmente em 2013 pelo presidente Xi Jinping. O que no início parecia uma ótima oportunidade para que nações em desenvolvimento colocassem em prática grandes projetos de infraestrutura foi, aos poucos, mostrando ser uma armadilha financeira geradora de dívidas impagáveis. Hoje, sob desconfiança global, o projeto enfrenta a concorrência de rivais ocidentais e indica ter optado por uma mudança de foco, adotando uma abordagem mais regional para tentar sobreviver.

Principal expoente da política externa de Xi, a iniciativa usa bancos e empresas chinesas para financiar e construir rodovias, usinas de energia, portos, ferrovias, redes 5G e cabos de fibra óptica em todo o mundo. A BRI tem amplo alcance, financiando trilhões de dólares em projetos nos quatro cantos do mundo. Assim, serve para espalhar a influência de Beijing por todo o planeta.

No início, os governos receberam muito bem o dinheiro, especialmente pelo fato de isso ter ocorrido logo após uma recessão global histórica. Hoje, com muitas das nações inseridas na BRI em situação financeira dramática, manter em dia o pagamento das dívidas é missão quase impossível.

A inadimplência é parte da estratégia da China, que invariavelmente a usa como justificativa legal para assumir a gestão dos próprios projetos que financiou. Assim, estende os tentáculos do Partido Comunista Chinês (PCC) ao assumir o controle de infraestruturas cruciais.

Encontro de chefes de Estado que participam da nova Rota da Seda, em Beijing, no fórum de abril de 2019 (Foto: RIA Novosti/Presidência da Federação Russa)

A estratégia predatória de Beijing para com seus “parceiros” gera desconfiança global e faz as críticas à iniciativa se acumularem. Um dos mais ferrenhos opositores é a Índia, que acusa o vizinho de usar a “diplomacia da armadilha da dívida” sob o disfarce de projetos de infraestrutura para fazer sangrar a economia dos países-membros, segundo o portal indiano Wion News.

Atento ao problema, o Ocidente já começou a se movimentar para oferecer alternativas menos danosas. No final do ano passado, a União Europeia (UE) anunciou oficialmente o Global Gateway, que pretende investir 300 bilhões de euros em projetos digitais, de infraestrutura e de controle climático em todo o mundo. Já o G7, grupo que inclui as sete democracias mais ricas do mundo, anunciou um projeto de investimento de US$ 600 bilhões em junho deste ano.

Violações ambientais

Além das dívidas, quase 35% dos projetos da BRI são acusados de violações diretas de leis trabalhistas e ambientais, causando grandes protestos públicos. Segundo Vuk Vuksanovic, pesquisador da Escola de Economia e Ciências Políticas de Londres, Beijing tem como objetivo “a terceirização da poluição e da degradação ambiental para países mais pobres e distantes, com extrema necessidade de financiamento de infraestrutura e desenvolvimento socioeconômico, cujos governos ignoram os riscos ambientais”.

Um estudo do think tank canadense Iffras (Fórum Internacional por Direitos e Segurança, da sigla em inglês) corrobora a opinião de Vuksanovic. Segundo relatório publicado em setembro de 2021, a iniciativa chinesa tende a “aumentar ainda mais a degradação ambiental e as mudanças climáticas”.

Em países como Indonésia, Egito, Quênia, Bangladesh, Vietnã e Turquia, a BRI está ligada a projetos de usinas de geração de energia movidas a carvão. No final de 2016, a ONG Global Environment Institute (Instituto de Meio Ambiente Global, em tradução literal) registrou 240 projetos movidos a carvão ligados à iniciativa chinesa.

“A Nova Rota da Seda tem um grande foco na construção de projetos de energia, e quase 90% deles são intensivos em carbono, operando com combustível fóssil“, diz o documento do Iffras. “Dada a magnitude da BRI, que se espalha pelos cinco continentes, o planeta vai sofrer impactos graves e negativos graças ao jeito chinês de construir projetos em que as diretrizes ambientais dificilmente são seguidas”.

Os membros

Inicialmente, a Nova Rota da Seda buscou conectar países do centro, sul e sudeste da Ásia com a China. Nos dois anos após o lançamento, apenas dez países aderiram formalmente, assinando um memorando de entendimento (MoU) ou acordo de cooperação. Em 2015, no entanto, a BRI começou a superar seus corredores iniciais, com a adesão de mais 17 países. Em 2017, por exemplo, o projeto chegou à América Latina.

No outono de 2017, a BRI foi incorporada à constituição do PCC. Após esse desenvolvimento, uma explosão de atividade se seguiu, com mais 61 nações aderindo apenas em 2018. Ao todo, 147 países aderiram oficialmente até hoje, de acordo com o think tank chinês Green Finance & Development Center (GFDC), da Universidade de Fudan, em Xangai.

A BRI é agora um empreendimento verdadeiramente global: 43 países da África Subsaariana aderiram à iniciativa, bem como 35 na Europa e Ásia Central, 25 no Leste Asiático e Pacífico, 20 na América Latina e no Caribe, 18 no Oriente Médio e Norte da África e seis no Sul da Ásia. Esses membros, incluindo a China, respondem por 40% do PIB (produto interno bruto) global, com 63% da população mundial dentro das fronteiras dessas nações.

Embora enfatize os benefícios da BRI para os países em desenvolvimento, Beijing convocou nações de todos os níveis de renda para endossar a iniciativa. São 31 países de baixa renda e 41 países de renda média baixa inseridos na iniciativa, respondendo por pouco menos da metade de todos os participantes. Em contraste, 43 países de renda média alta, bem como 33 países de alta renda, assinaram o contrato, representando mais da metade dos participantes.

Os membros da BRI incluem aliados e parceiros dos EUA, como Grécia, Itália, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, bem como países que se alinham geopoliticamente com a China, como Rússia, Camboja e Laos. Em fevereiro, a Argentina assinou o memorando de adesão. O Brasil segue e fora.

Presidente argentino Alberto Fernández com Xi Jinping, em Beijing, no encontro que incorporou a Argentina à Nova Rota da Seda (Foto: Casa Rosada/Divulgação)

Embora os membros da BRI sejam diversos, os países que se abstiveram de ingressar são geralmente mais democráticos e politicamente estáveis ​​e economicamente mais desenvolvidos do que aqueles que endossaram a iniciativa. Mas, claro, há exceções.

Nem todos os membros, entretanto, hospedam projetos. Alguns apenas endossam formalmente a BRI como um conceito e se comprometem a cooperar com a China para promover a iniciativa. No MoU não vinculativo da Itália com a China, por exemplo, os dois países se comprometeram a “trabalhar juntos dentro da Nova Rota da Seda para traduzir forças complementares mútuas em vantagens para cooperação prática e crescimento sustentável.”

A Itália e a China se comprometeram a aprimorar seu diálogo político, cooperando para desenvolver conectividade de infraestrutura, expandindo o comércio e o investimento e construindo laços entre as pessoas. Mas o MoU não identifica projetos específicos.

Difusão dos valores chineses

Em muitos casos, o esforço para fazer com que os países se juntem à BRI é motivado menos pelo desejo de construir infraestrutura e mais pelo objetivo de aumentar o poder narrativo da China. Como parte da iniciativa, Xi Jinping convida chefes de Estado para visitar seu país em fóruns bienais, difundindo assim a visão de que Beijing tem influência equivalente à de Washington.

No primeiro Belt and Road Forum, em maio de 2017, representantes de mais de cem países foram a Beijing, enquanto o secretário-geral da ONU, António Guterres, elogiou o “imenso potencial” do projeto e “o desenvolvimento sustentável como objetivo abrangente” atrelado a ele, afirmando ainda que o “sistema das Nações Unidas está pronto para percorrer esse caminho com você”.

Com 147 países agora formalmente afiliados e endossando a Nova Rota da Seda, isso sinaliza para os membros em potencial que muitos das nações mais poderosas e economicamente dinâmicas do mundo aprovam a ideia. No entanto, cada vez mais nações percebem os riscos atrelados à adesão.

A segunda edição do fórum foi realizada em 2019, e nos anos seguintes o encontro não ocorreu devido á pandemia de Covid-19. Agora, mesmo com uma nova onda de casos da doença registrados em todo o mundo, inclusive em território chinês, Xi pretende retomar a prática em 2023, uma forma de mostrar que a BRI ainda respira. E, pelas palavras do presidente, o foco daqui em diante tende a ser mais regional, uma tendência justificada pela atual competição com os EUA por influência na Ásia-Pacífico.

“No próximo ano, a China considerará sediar o 3º Fórum da Nova Rota da Seda para Cooperação Internacional, injetando novo ímpeto no desenvolvimento e prosperidade da Ásia-Pacífico e do mundo”, disse Xi na semana passada, em visita à Tailândia. “Nas últimas décadas, a cooperação econômica na Ásia-Pacífico se desenvolveu vigorosamente e criou o ‘Milagre Ásia-Pacífico’, que atraiu a atenção mundial”, acrescentou ele, sugerindo que seus vizinhos tendem a ser, a partir de agora, os principais parceiros da China em seu principal projeto de política externa.

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