UE lança projeto de 300 bilhões de euros para rivalizar com a Nova Rota da Seda

Presidente da UE diz que iniciativa chinesa costuma acarretar em "grandes consequências" e promete oferecer “uma verdadeira alternativa”

A União Europeia (UE) anunciou oficialmente, na quarta-feira (1), o Global Gateway, uma iniciativa que pretende investir 300 bilhões de euros em projetos digitais, de infraestrutura e de controle climático em todo o mundo, rivalizado com a Nova Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês), da China.

Segundo Ursula von der Leyen, presidente do bloco, a iniciativa tem vantagens em relação à versão chinesa, tida como desfavorável aos credores. “Quando se trata de opções de investimento, atualmente elas são relativamente limitadas. E as poucas opções que existem muitas vezes vêm com muitas letras pequenas, o que inclui grandes consequências, seja financeiramente, politicamente, mas também muitas vezes socialmente”, disse ela, segundo o jornal britânico The Guardian.

A presidente da União Europeia, Ursula von der Leyen, em visita a Alemanha, em setembro de 2017 (Foto: UE/Arno Mikkor)

Von der Leyen classificou o projeto europeu como uma “uma verdadeira alternativa”, reforçando o que considera condições desfavoráveis oferecidas por Beijing. “Os países [tiveram] sua experiência com os investimentos chineses e precisam de ofertas melhores e diferentes”, disse ela. “Queremos mostrar que uma abordagem democrática e orientada para os valores pode responder aos desafios mais urgentes”.

O dinheiro, que será fornecido através de subvenções, empréstimos e garantias, sairá dos governos, de instituições financeiras da UE e dos bancos nacionais de desenvolvimento. A promessa é de cobrança de juros “justos e favoráveis”, para não repetir o cenário de dependência econômica gerado pela BRI, acusada de usar débitos impagáveis para aumentar sua influência no país destinatário da verba.

Por que isso importa?

A BRI começou a se desenhar após a crise financeira internacional de 2008, quando as empresas chinesas se voltaram para a Eurásia de olho em atraentes ativos industriais e comerciais. Então, pipocaram projetos de infraestrutura de transporte e energia com financiamento chinês, o principal foco desde então. Em 2013, a iniciativa se estabeleceu globalmente como uma das bases da política externa do presidente Xi Jinping.

O objetivo central da BRI é espalhar a influência de Beijing através do investimento. No total, 140 países foram beneficiados com dinheiro proveniente da iniciativa chinesa até 2020, de acordo com o Grenn FDC. O maior número deles está na África, com 40 nações. Entre 2013 e dezembro de 2020, a China investiu cerca de US$ 770 bilhões nos países participantes da BRI.

No início, os governos receberam muito bem os bilhões de dólares injetados por Beijing, especialmente pelo fato de isso ter ocorrido logo após uma recessão global histórica. Hoje, com muitas das nações inseridas na BRI em situação financeira dramática, manter em dia o pagamento das dívidas é missão quase impossível.

Encontro de chefes de Estado ligados à nova Rota da Seda, em Beijing, em abril de 2019 (Foto: RIA Novosti/Presidência da Federação Russa)

Essa é parte da estratégia chinesa, que invariavelmente usa a inadimplência como justificativa legal para assumir a gestão dos próprios projetos que financiou. Assim, estende os tentáculos do Partido Comunista Chinês mundo afora ao assumir o controle de infraestruturas cruciais em todos os continentes.

A questão ambiental, uma das preocupações centrais do Global Gateway europeu, é outro ponto negativo da BRI. Segundo Vuk Vuksanovic, pesquisador da Escola de Economia e Ciências Políticas de Londres, Beijing tem como objetivo “a terceirização da poluição e da degradação ambiental para países mais pobres e distantes, com extrema necessidade de financiamento de infraestrutura e desenvolvimento socioeconômico, cujos governos ignoram os riscos ambientais”.

Um estudo do think tank canadense Iffras (Fórum Internacional por Direitos e Segurança, da sigla em inglês) corrobora a opinião de Vuksanovic. Segundo relatório publicado pela entidade em setembro, a iniciativa chinesa tende a “aumentar ainda mais a degradação ambiental e as mudanças climáticas”.

Em países como Indonésia, Egito, Quênia, Bangladesh, Vietnã e Turquia, a BRI está ligada a projetos de usinas de geração de energia movidas a carvão. No final de 2016, a ONG Global Environment Institute (Instituto de Meio Ambiente Global, em tradução literal) registrou 240 projetos movidos a carvão ligados à iniciativa chinesa.

“A Nova Rota da Seda (BRI) tem um grande foco na construção de projetos de energia, e quase 90% deles são intensivos em carbono, operando com combustível fóssil“, diz o documento do Iffras. “Dada a magnitude da BRI, que se espalha pelos cinco continentes, o planeta vai sofrer impactos graves e negativos graças ao jeito chinês de construir projetos em que as diretrizes ambientais dificilmente são seguidas”.

Diante desse cenário, começam a surgir problemas para Beijing, que enfrenta uma dificuldade crescente para obter novos parceiros, diante dos exemplos desfavoráveis que pipocam constantemente. É aí que deve ser inserir a Global Gateway.

Tags: