Com objetivo de enfraquecer o Al-Shabaab, Somália oferece anistia a terroristas

Governo prometeu acabar com o grupo em cinco meses, e perdão visa a reduzir o contingente e obter informações relevantes

O governo da Somália adotou uma nova estratégia em sua campanha de combate ao terrorismo no país, cujo principal alvo é o Al-Shabaab. De acordo com o Centro Nacional de Combate ao Terrorismo, os insurgentes que quiserem depor suas armas serão perdoados pela Justiça somali. As informações são da rede Voice of America (VOA).

Inicialmente, o presidente Hassan Sheikh Mohamud tentou abrir negociações com a organização extremista filiada à Al-Qaeda, que rejeitou a proposta. Então, ele adotou uma estratégia alternativa, com a projeção de que as deserções venham a enfraquecer o Al-Shabaab.

A oferta de anistia surge após o chefe de governo prometer que nos próximos cinco meses derrotará o grupo terrorista. “Se não os eliminarmos completamente, talvez haja alguns bolsões com alguns Al-Shabaabs inofensivos que não poderão causar problemas”, disse ele na semana passada.

Segundo Abdiaziz Hussein Issack, analista de segurança do Centro de Civilização Hamad Bin Khalifa, de Copenhague, na Dinamarca, a anistia não via apenas a reduzir o número de combatentes do Al-Shabaab. Os eventuais desertores também poderiam fornecer informações cruciais às forças armadas na luta contra o grupo.

Nem todos, porém, enxergam a medida como potencialmente eficiente. Abdirashid Farah Ali, analista de segurança e política da Linking Governance, uma consultoria de política e estratégia de Mogadíscio, prevê que o número de desertores não será suficiente para pender a balança em favor das forças do governo.

Entretanto, casos anteriores mostram que figuras importantes da organização terrorista eventualmente aderem à campanha de anistia, o que de fato pode render informações valiosas ao governo. É o caso de Muktar Robow Ali, ex-vice-líder e ex-porta-voz da organização que hoje atua como chefe de Assuntos Religiosos do governo.

O ex-combatente é um dos mais proeminentes integrantes do grupo a deixar a militância islâmica, de acordo com analistas. Em 2017, ele admitiu publicamente sua participação em ataques e prometeu apoio às autoridades somalis. No entanto, foi incapaz de persuadir um número expressivo de rebeldes a se render junto com ele.

Suspeitos de integrar Al-Shabaab aguardam para ser interrogados pelas tropas da Missão de Paz na Somália, em maio de 2014 (Foto: União Africana/Tobin Jones)
Por que isso importa?

O Al-Shabaab chegou a controlar Mogadíscio, a capital somali, até 2011, quando foi expulso de lá pelas forças da UA. Atualmente, controla territórios nas áreas rurais da Somália e luta para derrubar o governo nacional, tendo inclusive se expandido para a vizinha Etiópia e para outros países fronteiriços.

O grupo, que é vinculado à Al-Qaeda, concentra seus ataques no sul e no centro da Somália. As atividades envolvem ataques a órgãos e oficiais do governo e a entidades de ajuda humanitária, além de extorsão contra a população local e proteção de terroristas internacionais que se escondem no país.

Um levantamento feito pela ONU e divulgado em dezembro de 2022 aponta que 613 civis morreram no ano passado na Somália em ações terroristas. A maioria dessas pessoas, 315, foi vítima de dispositivos explosivos improvidas (IEDs, na sigla em inglês).

Os números, apresentados pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), apontam, ainda, casos de vítimas civis atingidas pelas forças do governo, por milícias armadas aliadas às forças armadas somalis e por outros “atores não identificados”. As mais de 600 mortes representam um aumento de um terço em relação a 2021, maior número registrado no país desde 2017.

Devido ao crescimento do Al-Shabaab, o presidente Hassan Sheikh Mohamud iniciou, em agosto do ano passado, uma grande ofensiva contra os insurgentes. Na ocasião, ele comparou a facção a “uma cobra mortal” e disse que “não há solução a não ser matá-la, antes que ela mate você”.

Ao prometer confrontar os insurgentes, ele inclusive alertou a população para que não seja pega no fogo cruzado. “O Al-Shabaab será confrontado usando todos os métodos que a guerra permitir. Eles serão bombardeados, invadidos e submetidos a ataques aéreos. Então, fique longe deles”, disse Mohamud.

No Brasil

Casos mostram que o Brasil é um porto seguro para extremistas. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram.

Em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles são acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista. E, mais recentemente, em outubro de 2022, um associado ao EI, com nacionalidade brasileira e negócios no país, foi sancionado pelos EUA.

Para o tenente-coronel do Exército Brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o anúncio do Tesouro causa “preocupação enorme”, vez que confirma a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras). “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”. Saiba mais.

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