Conflito armado ressurge em Tigré e ameaça acordo de paz na Etiópia

Combates ocorrem após facção rebelde capturar duas cidades estratégicas e gerar apelo por intervenção do governo federal

A violência voltou a assombrar a região de Tigré, no norte da Etiópia, após uma facção dissidente da Frente de Libertação do Povo Tigré (TPLF) capturar duas importantes cidades, gerando preocupação sobre o possível colapso do frágil acordo de paz assinado há pouco mais de um ano. As ações levaram o governo interino regional a solicitar ajuda urgente do governo federal etíope, temendo o retorno da guerra civil que devastou o país entre 2020 e 2022. As informações são da agência Associated Press (AP).

Na última terça-feira (11), o grupo rebelde tomou Adigrat, segunda maior cidade da região, onde instalou imediatamente um novo administrador, removendo do cargo um representante leal ao governo interino. Na noite seguinte, o conflito avançou para Adi-Gudem, próxima à capital regional, Mekelle, onde várias pessoas ficaram feridas por disparos quando as forças tentavam ocupar um prédio governamental.

A situação atual reflete a crescente divisão interna na TPLF desde o final do conflito armado em novembro de 2022. Em outubro passado, o líder do partido, Debretsion Gebremichael, expulsou Getachew Reda, então chefe do governo interino, provocando uma série de retaliações políticas e militares.

Evento celebra os 40 anos da TPLF, em Tigré, na Etiópia, em 2015 (Foto: Divulgação/Flickr)

Em entrevista à imprensa local, Reda classificou as recentes ações do grupo rebelde como uma “tentativa potencial de golpe” e pediu atenção internacional. “As partes do Acordo de Pretória deveriam realmente levar em conta a situação em deterioração em Tigré e as ramificações profundas do colapso do Acordo de Pretória”, alertou ele.

Já o vice-presidente da TPLF, Amanuel Assefa, afirmou que as crises atuais não têm relação com o acordo de paz, tratando-se apenas de questões ligadas à aplicação da lei. “A TPLF e as forças de Tigré são as legítimas proprietárias do Acordo de Pretória. Portanto, não há motivo para tomar ações que violem isso”, declarou.

Por que isso importa?

A região de Tigré, no extremo norte da Etiópia, esteve imersa em conflitos por dois anos desde novembro de 2020, quando disputas eleitorais levaram Addis Abeba a determinar a tomada das instituições locais. A disputa apôs a TPLF às forças de segurança nacionais da Etiópia.

Os militares chegaram a reconquistar Tigré, mas os rebeldes viraram o jogo e começaram a ganhar território. No final de junho de 2021, eles anunciaram um processo de “limpeza” para retomar integralmente o controle da região e assumiram o comando de Mekelle.

Pouco após a derrota do Exército, o governo da Etiópia decretou um cessar-fogo e deixou Tigré. Os soldados do exército da aliada Eritreia também deixaram de ser vistos por lá. Posteriormente, com o avanço dos rebeldes, que chegaram às regiões vizinhas de Amhara e Afar, o exército foi enviado novamente para apoiar as tropas locais.

Durante o conflito, a TPLF se aliou ao OLA (Exército de Libertação Oromo, da sigla em inglês), que em 2020 se desvinculou do partido político homônimo e passou a defender de maneira independente a etnia Oromo, a maior da Etiópia.

A coalizão passou a superar o Exército nos confrontos armados e chegou a ameaçar rumar para a capital, sem sucesso. A situação estava relativamente calma em 2022 até agosto, quando nos confrontos eclodiram. Três meses depois, um cessar-fogo foi firmado, e os rebeldes começaram a depor suas armas.

Em março de 2023, um acordo levou ao estabelecimento de um governo interino regional, o que interrompeu definitivamente o conflito. A TPLF, que chegou a dominar o governo central etíope no passado, foi também retirada da lista de organizações terroristas do país, onde estava desde maio de 2021.

Acredita-se que dezenas de milhares de pessoas tenham morrido no conflito, com milhões de deslocados das regiões de Tigré, Amhara e Afar.

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