As Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês), grupo paramilitar que enfrenta as forças armadas no conflito do Sudão, foram responsáveis pelos assassinatos de dezenas de civis e pela “total destruição” da cidade de Misterei, no Estado de Darfur Ocidental, no dia 28 de maio. A acusação foi feita na terça-feira (11) pela ONG Human Rights Watch (HRW), segundo quem a ação pode configurar crime de guerra.
De acordo com a ONG, milhares de combatentes das RSF e de milícias árabes aliadas invadiram Misterei em motos, caminhonetes e a cavalo. Houve então um confronto entre os invasores e combatentes locais igualmente armados, membros da etnia massalit que é maioria na região.
Os rebeldes, mais bem armados, conseguiram se impor, matando pessoas em suas casas, nas ruas ou em esconderijos. Homens, mulheres e crianças foram atingidos indiscriminadamente pelos disparos, com milhares de residentes forçados a fugir rumo ao Chade. Ao menos 28 moradores foram sumariamente executados, de acordo com a HRW.
As denúncias são baseadas em entrevistas com 29 testemunhas, feitas por membros da ONG durante uma viagem de pesquisa ao Sudão em junho. Também foram usadas imagens de satélite para detectar focos de incêndio não somente em Misterei, mas também em outras seis cidades e aldeias da mesma área onde ocorreu o ataque.
“As Forças de Apoio Rápido e os árabes atiraram em nós pelas costas”, relatou um homem de 76 anos que presenciou o massacre e sobreviveu. “Vi três pessoas correndo, sendo baleadas e caindo no chão perto de uma mercearia.”
O número de vítimas do massacre é incerto, mas está na casa das dezenas. Valas comuns receberam os restos mortais de ao menos 59 pessoas, embora autoridades locais falem em 97 mortos. A HRW diz que conseguiu confirmar 40 mortes, incluindo uma mulher, além de 14 civis feridos, entre eles cinco mulheres e quatro crianças
“Desde o início do conflito no Sudão, em abril, algumas das piores atrocidades ocorreram em Darfur Ocidental”, disse Jean-Baptiste Gallopin, pesquisador sênior de crises e conflitos da HRW. “Os assassinatos em massa de civis e a destruição total da cidade de Misterei demonstram a necessidade de uma resposta internacional mais forte ao conflito crescente.”
Por que isso importa?
O Sudão vive um violento conflito armado que coloca frente a frente dois generais que comandam o país africano desde o golpe de Estado de 2021: Abdel Fattah al-Burhan, chefe das forças armadas, e Mohamed Hamdan “Hemedti” Daglo, à frente das RSF, corpo paramilitar da violenta milícia Janjawid.
As tensões decorrem de divergências sobre como cem mil combatentes da milícia paramilitar devem ser integrados ao exército e quem deve supervisionar esse processo.
No dia 16 de abril, um domingo, explosões puderam ser ouvidas no centro da capital Cartum, mais precisamente no entorno do quartel-general militar do Sudão e do palácio presidencial, locais estratégicos reivindicados tanto por militares quanto pelas RSF.
O aeroporto internacional da capital, tomado pela milícia, foi bombardeado com civis dentro. Aeronaves foram destruídas, e caças da força aérea sudanesa e tanques foram usados contra os paramilitares.
Desde que o conflito se espalhou, primeiro pela capital, depois por outras regiões do país, as nações estrangeiras que tinham cidadãos e representantes diplomáticos no Sudão realizaram um processo de evacuação, viabilizado por um frágil cessar-fogo que não foi totalmente respeitado pela partes.
Os números de civis mortos e vítimas de abusos diversos não param de crescer desde então, com relatos inclusive de ataques étnicos por parte das RSF. A situação levou o secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), António Guterres, a dizer em julho que o país africano está “à beira de uma guerra civil“.