Sudão está ‘à beira de uma guerra civil’, segundo o chefe das Nações Unidas

Confrontos têm se intensificado, com relatos frequentes de civis mortos e violência sexual contra mulheres e meninas

Os confrontos no Sudão têm se intensificado nas últimas semanas, e com eles não param de crescer os números de mortos e de civis vítimas de abusos diversos, sobretudo contra mulheres e meninas. A situação levou o secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), António Guterres, a dizer que o país africano está “à beira de uma guerra civil“.

O chefe das Nações Unidas se manifestou após os relatos de que ao menos 22 pessoas morreram no sábado (6) após um ataque aéreo realizado na cidade de Omdurman. “Ele oferece suas condolências às famílias das vítimas e espera uma rápida recuperação para as dezenas de pessoas feridas”, diz comunicado assinado por Farhan Haq, vice-porta-voz de Guterres.

O ataque, que ainda deixou dezenas de pessoa feridas, foi relatado em primeira mão pela agência Reuters com base em informações fornecidas pelo Ministério da Saúde do Estado sudanês de Cartum. A região vem sendo controlada pelos paramilitares das Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês), o que motivou o bombardeio realizado pela força aérea sudanesa.

“Ele reitera seu apelo para que as forças armadas sudanesas e as Forças de Apoio Rápido cessem os combates e se comprometam com uma cessação duradoura das hostilidades. Ele também exorta essas partes a cumprirem suas obrigações sob a lei internacional humanitária e de direitos humanos para proteger os civis e permitir a ação humanitária”, diz o comunicado, referindo-se ao secretário-geral.

Os confrontos entre as RSF e o exército já mataram ao menos 1.133 pessoas, de acordo com o Ministério da Saúde federal. Também forçaram 2,9 milhões de pessoas a deixarem suas casas, sendo que 700 mil fugiram para países vizinhos.

Cartum, capital do Sudão, em janeiro de 2017 (Foto: Christopher Michel/Flickr)
Violência contra menores

As crianças são especialmente vulneráveis em cenários de conflito, e um crime crescente contra os menores é o da violência sexual. “Adolescentes estão sendo abusadas sexualmente e estupradas por combatentes armados no Sudão em números alarmantes, com muitas sobreviventes com idades entre 12 e 17 anos”, disse na sexta-feira (7) a ONG Save the Children.

Até agora, 88 casos de violência sexual relacionados ao conflito foram registrados, sendo 42 deles na capital Cartum. Porém, a estatísticas está muito longe de representar a realidade, que tende a ser bem mais terrível.

“De acordo com a Unidade Sudanesa de Combate à Violência contra a Mulher, uma unidade do governo, esse número provavelmente representa 2% do total de casos – o que significa que podem ter ocorrido 4,4 mil casos de violência sexual apenas em 11 semanas”, segundo a Save The Children.

O problema já havia sido identificado pela ONU em junho. “Incidentes chocantes de violência sexual, incluindo estupro, agressão sexual, exploração sexual e violência física, foram relatados por mulheres e meninas que fugiram do conflito”, disse na ocasião o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).

Diante desse cenário caótico, as adolescentes sudanesas também correm maior risco de casamento infantil, segundo o Acnur. Isso porque algumas famílias são compelidas a recorrer à prática supostamente para “proteger” as menores de “riscos adicionais de violência, agressão ou exploração sexual”. 

“As crianças também continuam em risco agudo de danos físicos e psicológicos, em meio a relatos no Sudão de assassinato, mutilação e recrutamento de jovens para as forças armadas. Alguns foram separados ou perderam familiares ou outros cuidadores, tornando-os ainda mais vulneráveis”, acrescenta o Alto-Comissariado..

Por que isso importa?

O Sudão vive um violento conflito armado que coloca frente a frente dois generais que comandam o país africano desde o golpe de Estado de 2021: Abdel Fattah al-Burhan, chefe das forças armadas, e Mohamed Hamdan Daglo, apelidado de “Hemedti”, à frente das RSF, corpo paramilitar da violenta milícia Janjawid.

As tensões decorrem de divergências sobre como cem mil soldados da milícia paramilitar devem ser integrados ao exército e quem deve supervisionar esse processo. 

No dia 16 de abril, um domingo, explosões puderam ser ouvidas no centro da capital Cartum, mais precisamente no entorno do quartel-general militar do Sudão e do palácio presidencial, locais estratégicos reivindicados tanto por militares quanto pelas RSF.

O aeroporto internacional da capital, tomado pela milícia, foi bombardeado com civis dentro. Aeronaves foram destruídas, e caças da força aérea sudanesa e tanques foram usados contra os paramilitares.

Desde que o conflito se espalhou, primeiro pela capital, depois por outras regiões do país, as nações estrangeiras que tinham cidadãos e representantes diplomáticos no Sudão realizaram um processo de evacuação, viabilizado por um frágil cessar-fogo que não foi totalmente respeitado pela partes.

Tags: