Inundações mortais na África estão diretamente ligadas às mudanças climáticas, diz estudo

Em meio ao debate sobre "perdas e danos" nas negociações da COP27, o estudo divulgado na quarta atesta que nações em desenvolvimento são mais agredidas pelo aquecimento causado pelos países ricos

As fortes chuvas que caíram na África em outubro afetaram cinco milhões de pessoas, com enchentes em 19 países do centro e do oeste do continente. Graças à mudança climática causada pelo homem, as inundações, que arrasaram mais de um milhão de hectares de terras agrícolas e tiraram milhares de vidas, foram particularmente trágicas na Nigéria, apontou um estudo científico apresentado na quarta-feira (16) e reproduzido pelo jornal The New York Times.

Os eventos climáticos, responsáveis pelas mortes de mais de 600 nigerianos e de ao menos 200 pessoas no Níger e no Chade, foram resultado de uma estação chuvosa extrema. É o que dizem cientistas ligados a World Weather Attribution (WWA), uma colaboração internacional que analisa e comunica a possível influência da mudança climática em eventos extremos. Segundo eles, tais alterações tornaram a época de chuvas, que se estende de abril a outubro, 20% mais úmida do que seria em um mundo sem aquecimento.

A divulgação do estudo vem no contexto da COP27 (27ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas), onde os negociadores discutem a viabilidade de um fundo de perdas bancado por países desenvolvidos que possa gerar uma reparação financeira aos países em desenvolvimento afetados pelas alterações climáticas.

Família afetada pelas inundações na Nigéria, outubro de 2022 (Foto: Andrew Esiebo/Unicef)

A Nigéria e muitos outros países africanos têm relativamente poucas emissões de dióxido de carbono que contribuem para o aquecimento, mas sofrem cada vez mais com desastres relacionados ao clima, como inundações e ondas de calor. A responsabilidade é em grande parte atribuída à China, maior emissora de gases do efeito estufa do planeta, e à Índia, na segunda posição.

“Este é um problema real e atual, e são particularmente os países mais pobres que estão sendo duramente atingidos”, disse um dos pesquisadores, Maarten van Aalst, diretor do Centro Climático da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho. “Não cabe a nós, como cientistas, dizer aos negociadores o que fazer”.

Inundações são típicas das estações chuvosas na África Ocidental. Porém, as deste ano foram as mais agressivas em décadas. Quase 1,5 milhão de nigerianos foram deslocados, e a distribuição de combustível e alimentos foi interrompida.

Outros fatores integraram o quadro de calamidade, como pobreza, conflitos armados e mudanças no uso da terra, particularmente o aumento do assentamento de planícies de inundação por populações em aumento vertiginoso. 

Na Nigéria, a má gestão da água também colaborou para as inundações, particularmente por conta de liberações descoordenadas de água de uma grande barragem no país vizinho de Camarões.

“Com o planeta continuando a aquecer, isso também significa que daqui para frente veremos mais dessas estações chuvosas muito intensas na região”, disse Friederike Otto, cientista do clima do Imperial College de Londres..

De acordo com uma das pesquisadoras, Audrey Brouillet, do Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento da França, o estudo “confirma a importância de investir e manter uma rede de estações meteorológicas e pluviômetros nos países do Sahel”, disse. “Isso é fundamental para entender a influência das mudanças climáticas nas secas e outros eventos na região”.

Por que isso importa?

A ação climática está ganhando impulso. Desde o Acordo de Paris em 2015, os países intensificaram as medidas climáticas, e muitos se comprometeram a zerar as emissões líquidas até 2050. Isso significa que qualquer emissão adicional de carbono será integralmente compensada pelas emissões retiradas da atmosfera.

Contudo, o orçamento de carbono – o volume máximo de emissões permissível – para limitar o aquecimento global bem abaixo de 2º C está se esgotando rapidamente. Desastres mais frequentes e intensos, declínio na produtividade agrícola e elevação do nível do mar se tornarão cada vez mais comuns se esta meta crucial não for alcançada.

Uma previsão pessimista do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática) divulgada em 2021 indica que, se a temperatura média global subir mais de 1,5º C nos próximos anos, haverá aumento de chuvas extremas e de inundações em todas as regiões da Europa, com exceção da área do Mediterrâneo. O nível do mar também aumentará, com a projeção de que essas mudanças sejam acentuadas após o ano de 2100.  

Se a temperatura global subir 2º C ou mais até meados do século, a previsão é de aumento das secas nas áreas agrícolas e ecológicas da Europa Ocidental.  

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