Investigação de ONG identifica crimes contra a humanidade e limpeza étnica no Sudão

A milícia Forças de Apoio Rápido é acusada de tortura, estupro, homicídio e outras atrocidades contra minorias étnicas

A ONG Human Rights Watch (HRW) realizou uma investigação que identificou uma série de atrocidades cometidas no conflito civil do Sudão. A milícia Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês), que enfrenta as Forças Armadas Sudanesas (SAF), é acusada de realizar uma campanha de limpeza étnica contra os Massalit e outras comunidades não árabes na capital de Darfur Ocidental, El Geneina.

“A Human Rights Watch forneceu um relato abrangente da campanha de sete semanas de ataques e abusos entre abril e junho de 2023, durante a qual a RSF e os seus aliados mataram e feriram milhares de civis, bem como uma posterior escalada de abusos, em novembro”, diz o relatório fruto da investigação

Protestos no Sudão ocorreram em Cartum e outras partes do país (Foto: Salah Naser/ONU News)

De acordo com a ONG, o grupo armado tinha o aparente objetivo de remover permanentemente esses grupos da cidade. Para tanto, realizou ataques nos quais visava “sistematicamente” homens e meninos, matando ainda pessoas que já haviam sido feridas, inclusive mulheres e crianças.

Membros proeminentes da comunidade, como médicos, advogados acadêmicos e defensores dos direitos humanos, foram vítimas de abusos, com bairros inteiros da cidade destruídos. A situação levou milhares de pessoas a deixarem suas casas, buscando refúgio na porção norte de El Geneina ou atravessando a fronteira nacional rumo ao Chade.

“Como parte desta campanha, as RSF e os seus aliados cometeram pilhagem, tortura, estupro e outras formas de violência sexual, homicídios dolosos, destruição extensiva e apropriação de propriedade, e deportação ilegal ou transferência forçada”, diz a HRW.

Para chegar às conclusões que constam do relatório, a ONG realizou dez meses de pesquisas por telefone e presenciais, visitando Chade, Quênia, Sudão do Sul e Uganda. Mais de 200 pessoas foram entrevistadas, sobretudo testemunhas e sobreviventes. Também foram verificadas mais de 120 fotos e vídeos, além de imagens de satélite e documentos compartilhados por organizações humanitárias.

A operação realizada pelas RSF causou a morte de “milhares” de pessoas e o deslocamento de “centenas de milhares”, de acordo com a HRW. O caso vem sendo investigado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), que ao menos até o momento não usou a palavra “genocídio” em suas alegações.

Por que isso importa?

O Sudão vive um violento conflito armado que coloca frente a frente dois generais que comandam o país africano desde o golpe de Estado de 2021: Abdel Fattah al-Burhan, chefe das SAF, e Mohamed Hamdan “Hemedti” Daglo, à frente da milícia das RSF.

As tensões decorrem de divergências sobre a incorporação dos combatentes das RSF às Forças Armadas, o que levou a milícia a se insurgir. Hemedti tem entre 70 mil e cem mil homens sob seu comando, de acordo com a rede Deutsche Welle (DW), enquanto al-Burhan lidera um efetivo de cerca de 200 mil.

No dia 16 de abril, um domingo, explosões puderam ser ouvidas no centro da capital Cartum, mais precisamente no entorno do quartel-general militar do Sudão e do palácio presidencial, locais estratégicos reivindicados tanto por militares quanto pelas RSF.

O aeroporto internacional da capital, tomado pela milícia, foi bombardeado com civis dentro. Aeronaves foram destruídas, e caças da Força Aérea sudanesa e tanques foram usados contra os paramilitares.

Embora as SAF sejam mais bem equipadas e em maior número, as RSF são igualmente bem treinadas, o que equilibra as ações. O balanço de forças apenas prolonga as hostilidades e a violência decorrente, com nenhum dos dois lados conseguindo se impor sobre o inimigo.

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