Militar sugere à população que fuja e indica que jihadistas estão fora de controle no Mali

General que atua no combate ao Estado Islâmico do Grande Saara diz que "não há segurança para detê-los" em certas áreas no norte do país

Um importante militar do Mali deu a entender que o governo central perdeu totalmente o controle sobre a segurança de determinadas regiões do norte do país. É o que sugere uma mensagem que circulou pelo aplicativo de mensagens WhatsApp, com recomendações à população civil para que fuja das áreas onde há forte presença de grupos jihadistas. As informações são do site The Defense Post.

“Não há forças armadas ou qualquer entidade para garantir a segurança da população nessas áreas”, diz em mensagem de áudio o general El Hadj Ag Gamou, que é da etnia Tuareg e tem um papel relevante na luta contra o Estado Islâmico do Grande Saara (EIGS) no país africano.

O áudio, cuja autenticidade foi verificada, não tem data. Mas os locais de maior perigo citados por Ag Gamou seriam seriam a aldeia de Djebock e algumas localidades vizinhas, entre as cidades de Gao, a capital regional, e Talataye, a cerca de 150 quilômetros de distância. Segundo ele, o “inimigo certamente assumirá o controle dessas áreas porque não há segurança para detê-los”.

A recomendação do general aos cidadãos dessas localidades é para que fujam rumo a cidades grandes enquanto a situação não se estabiliza. Talataye, por exemplo, foi alvo de um inédito ataque do EIGS que matou “dezenas” de civis na semana passada. Trata-se de uma região árida e remota, essencialmente formada por aldeias e com uma população de milhares de pessoas.

Assimi Goita, coronel que governa o Mali, escoltado pelo exército (Foto: Twitter/PresidenceMali)
Por que isso importa?

A instabilidade no Mali começou com o golpe de Estado em 2012, quando vários grupos rebeldes e extremistas tomaram o poder no norte do país. De quebra, a nação, independente desde 1960, viveu em maio de 2021 o terceiro golpe de Estado em um intervalo de apenas dez anos, seguindo o que já havia ocorrido em 2012 e também em 2020.

A mais recente turbulência política começou semanas antes do golpe, com a demissão do primeiro-ministro Moctar Ouane pelo presidente Bah Ndaw. Reconduzido ao cargo pouco depois, Ouane não conseguiu formar um novo governo, e a tensão aumentou com a falta de pagamento dos salários dos professores. O maior sindicato da categoria, então, começou a se preparar para uma greve.

Veio a noite do dia 24 de maio, quando o coronel Assimi Goita, vice-presidente do país, destituiu Ndaw e Ouane de seus cargos e ordenou a prisão de ambos na capital Bamako. Segundo ele, os dois líderes civis violaram a carta de transição ao não consultarem o militar na formação do novo governo.

Ao contrário do que ocorreu em golpes anteriores, que contaram com apoio popular, desta vez a maior parte da população malinesa rejeitou a tomada de poder por Goita, que derrubou o governo de transição recém-instituído e assumiu o comando do país. A população civil não foi às ruas protestar contra o militar, mas usou as redes sociais para mostrar sua insatisfação.

Em meio à instabilidade política, cresceu no país a presença de grupos jihadistas ligados à Al-Qaeda e ao EI, o que levou a uma explosão da violência nos confrontos entre extremistas e militares, com milhares de civis entre as vítimas.

Os conflitos, antes concentrados no norte do Mali, se expandiram inclusive para os vizinhos Burkina Faso e Níger. Assim, a região central maliana se tornou um dos pontos mais violentos de todo o Sahel africano, com frequentes assassinatos étnicos e ataques extremistas contra as forças do governo.

A situação torna-se ainda mais delicada devido à retirada das tropas da França, que até agosto deste ano colaboravam com o governo nacional nas operações de contraterrorismo. A decisão de Paris gera dúvidas quanto à capacidade de o país africano sustentar os avanços obtidos na luta contra os insurgentes.

Quem assumiu o vácuo dos franceses foi o Wagner Group, um grupo russo de mercenários que firmou acordo de cooperação com Goita. Fontes sustentam que o pagamento pelos serviços da organização russa seria de US$ 10,8 milhões por mês, dinheiro que viria da extração de minerais.

Segundo o general francês Laurent Michon, comandante da Operação Bakhane das forças armadas da França, a retirada de suas tropas não tem nenhuma relação com a chegada dos mercenários, como se especulava. Ele diz que o governo militar maliano desde o início deixou claro seu desejo de “nos ver partir sem demora”.

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