Moçambique aponta violação injustificada de resolução sobre cessar-fogo em Gaza

Representante do país junto à ONU ressalta responsabilidade das partes em conflito na implementação de decisão tomada pelo Conselho de Segurança

Conteúdo adaptado de material publicado originalmente pela ONU News

Em 25 de março, o Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) adotou uma resolução exigindo um cessar-fogo humanitário imediato em Gaza. Moçambique desempenhou um papel central neste processo, apresentando o texto em nome do dos dez Estados-Membros eleitos do Conselho, E10 e liderando as negociações.

O embaixador de Moçambique na ONU, Pedro Comissário, conversou com a ONU News sobre os passos tomados para assegurar os 14 votos a favor e a abstenção dos Estados Unidos. Ele enfatizou que a implementação da decisão é obrigatória por todos os países do mundo, especialmente pelas partes em conflito.

“Absoluta violação”

“As decisões do Conselho são sempre obrigatórias e vinculativas. E dirigem-se não só aos 15 membros que compõem o Conselho, como também a todos os 193 Estados-Membros. E, na verdade, podemos ir para além disso. As decisões são vinculativas mesmo para além do quadro da Assembleia Geral das Nações Unidas. Portanto, a responsabilidade primária do Conselho de Segurança é adotar a resolução, tomar a decisão sobre a resolução, e seguem-se os passos seguintes em que a responsabilidade fundamental é das próprias partes em conflito e das partes diretamente interessadas”, disse ele.

O representante moçambicano afirmou que, embora esta obrigação esteja presente na Carta da ONU, a organização é composta por Estados “independentes, soberanos e que têm vontade e autonomia”, mesmo perante deliberações coletivas.  

No entanto, ao ser questionado sobre a continuidade dos combates em Gaza após a aprovação do texto, ele afirmou que estes atos podem ser encarados como uma “absoluta violação” da resolução. 

Forças de Defesa de Israel deixam a Faixa de Gaza em 2010 (Foto: IDF/Flickr)
“Carnificina de população civil inocente”

“É uma violação que não tem justificação, que apenas constitui um desafio à consciência geral da humanidade e constitui um desafio à própria Carta das Nações Unidas e, portanto, ultrapassa até a dimensão jurídica da implementação da própria resolução para atingir um foro de consciência da humanidade. O que isso quer dizer? Quer dizer que a humanidade, no seu todo, não aceita uma resposta desproporcional aos acontecimentos de 7 de outubro de 2023”, declarou.

Pedro Comissário disse que “os massacres perpetrados pelo Hamas no território israelense não são aceitáveis nem justificáveis”. No entanto, ele afirmou que a morte de mais de 32 mil pessoas em Gaza também é injustificável, até mesmo porque a maior parte “são crianças e mulheres”. 

“Não há nada na carta que autorize, à luz do artigo 51, que prevê a autodefesa dos Estados, não há nada que permita que haja carnificina de população civil inocente, a coberto do direito de autodefesa. E para além das pessoas, uma destruição de infraestruturas civis, o que é claramente inaceitável e condenado pelo direito internacional no seu todo”, disse o diplomata.

Bastidores da negociação no Conselho de Segurança

Ao abordar o processo de negociação do texto, o representante de Moçambique afirmou que “a linha mais difícil da negociação” foi a interlocução com os Estados Unidos. Segundo ele, a superação das divergências exigiu muita flexibilidade, compreensão e consultas, que só foram finalizadas pouco antes da votação.

“Fizemos muitas concessões que realmente não teríamos feito noutras circunstâncias e veja que mesmo na manhã do dia 25, quando tudo parecia resolvido, quando tudo indicava que havia um consenso no seio dos 15, apareceu, mais uma questão que quase que ia deitar fora todo o esforço empreendido. E isto foi devido a uma emenda que os Estados Unidos apresentaram para mudar um termo ligeiro dentro da resolução. Fizemos rapidamente consultas entre nós e decidimos que deveríamos acomodar os Estados Unidos e assim avançou a resolução”, afirmou Comissário.

Segundo ele, Moçambique procurou sempre, como coordenador, ter um papel de “baixar as tensões e desdramatizar a situação”, colocando o foco em aprovar algo que pudesse ser útil para as populações palestinas. 

O processo começou em 12 de março, quando Moçambique ofereceu um jantar ao secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, em conjunto com os outros nove Estados-Membros do E10. A ocasião ressaltou a necessidade de aprofundar a “visão comum” do grupo sobre a “situação catastrófica” em Gaza.

Pedro Comissário explicou que o bloco dos países africanos no Conselho: Moçambique, Serra Leoa e Argélia, juntamente com a Guiana, formaram um grupo “muito coeso” dentro do E10, que foi importante na formação do consenso. 

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