ONU e União Europeia acusam milícia de genocídio no conflito em curso no Sudão

Mortes recentes de membros da etnia masalit em Darfur Ocidental remetem ao massacre ocorrido na mesma região em 2003

O conflito em curso no Sudão, que coloca as Forças Armadas regulares contra uma facção paramilitar conhecida como Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês), apresenta características de genocídio no estado de Darfur Ocidental, segundo alerta feito nos últimos dias pela ONU (Organização das Nações Unidas) e pela União Europeia (UE).

Josep Borrell, chefe da diplomacia do bloco europeu, publicou no domingo (12) um comunicado no qual acusa as RSF de realizarem uma “limpeza étnica” na região citada.

“De acordo com relatos de testemunhas oculares credíveis, mais de mil membros da comunidade masalit foram mortos em Ardamta, Darfur Ocidental, em pouco mais de dois dias, durante grandes ataques levados a cabo pelas Forças de Apoio Rápido (RSF) e pelas suas milícias afiliadas”, disse Borrell.

No documento, o diplomata lembrou o genocídio registrado a partir de 2003 na região, sendo as principais vítimas justamente os masalit, bem como as etnias dos fur e zaghawa. “A comunidade internacional não pode fechar os olhos ao que está acontecendo em Darfur e permitir que outro genocídio aconteça nesta região”, afirmou ele.

Um local de proteção de civis da ONU em Wau, no Sudão do Sul (Foto: WikiCommons)

A autoridade afirmou, ainda, que a UE vem atuando em parceria com o Tribunal Penal Internacional (TPI) para “monitorar e documentar as violações dos direitos humanos”, a fim de a corte seja capaz de eventualmente julgar os responsáveis.

Dois dias antes, o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) fez alerta semelhante, embora tenha destacado números ligeiramente diferentes.

“Mais de 800 pessoas teriam sido mortas por grupos armados em Ardamta, em Darfur Ocidental, uma área até agora menos afetada pelo conflito”, declarou a entidade, destacando ainda que cerca de cem abrigos erguidos para abrigar refugiados teriam sido destruídos.

“Há vinte anos, o mundo ficou chocado com as terríveis atrocidades e violações dos direitos humanos em Darfur. Tememos que uma dinâmica semelhante possa estar se desenvolvendo”, disse o alto comissário Filipo Grandi, igualmente lembrando o massacre anterior. “O fim imediato dos combates e o respeito incondicional pela população civil por parte de todas as partes são cruciais para evitar outra catástrofe.”

Segundo a ONU, o conflito vem registrando diversos outros crimes com motivação étnica, como violência sexual e tortura. A entidade reportou também um ataque a um campo de refugiados em El Geneina, de onde milhares de pessoas teriam sido obrigadas a fugir para se proteger.

Por que isso importa?

O Sudão vive um violento conflito armado que coloca frente a frente dois generais que comandam o país africano desde o golpe de Estado de 2021: Abdel Fattah al-Burhan, chefe das Forças Armadas Sudanesas (SAF, na sigla em inglês), e Mohamed Hamdan “Hemedti” Daglo, à frente da milícia RSF.

As tensões decorrem de divergências sobre como cem mil combatentes da milícia paramilitar devem ser integrados ao exército e quem deve supervisionar esse processo. 

No dia 16 de abril, um domingo, explosões puderam ser ouvidas no centro da capital Cartum, mais precisamente no entorno do quartel-general militar do Sudão e do palácio presidencial, locais estratégicos reivindicados tanto por militares quanto pelas RSF.

O aeroporto internacional da capital, tomado pela milícia, foi bombardeado com civis dentro. Aeronaves foram destruídas, e caças da força aérea sudanesa e tanques foram usados contra os paramilitares.

Desde que o conflito se espalhou, primeiro pela capital, depois por outras regiões do país, as nações estrangeiras que tinham cidadãos e representantes diplomáticos no Sudão realizaram um processo de evacuação, viabilizado por um frágil cessar-fogo que não foi totalmente respeitado pela partes.

Os números de civis mortos e vítimas de abusos diversos não param de crescer desde então. A situação levou o secretário-geral da ONU, António Guterres, a dizer em julho que o país africano está “à beira de uma guerra civil“.

As Nações Unidas calculam que o conflito entre deslocou mais de 4,8 milhões de pessoas, sendo que cerca de 1,2 milhões buscaram abrigo nos países vizinhos.

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