Países africanos governados por militares não dão qualquer sinal de volta à democracia

Mali, Burkina Faso e Níger se afastam de antigos parceiros, descumprem a promessa de eleições livres e indicam que a ditadura é o novo normal

Para os cidadãos de Mali, Burkina Faso e Níger, viver sob uma ditadura é o novo normal, e um retorno à democracia não está no horizonte. Contrariando uma promessa que fizeram quando assumiram o poder nessas três nações através de golpes de Estado, as respectivas juntas militares não indicam que haverá eleições abertas em um futuro próximo. Cada vez mais distantes de antigos parceiros, elas ignoram as reivindicações pelo retorno do Estado de direito e enfrentam até sanções para se perpetuar no poder.

O Mali é quem está há mais tempo sob um governo militar. O país viveu em maio de 2021 o terceiro golpe de Estado em um intervalo de apenas dez anos, colocando no poder o coronel Assimi Goita. O argumento para derrubar o governo democraticamente eleito, representado pelo primeiro-ministro Moctar Ouane e pelo presidente Bah Ndaw, foi a luta contra o extremismo.

O golpe em Burkina Faso veio sob a mesma justificativa, em janeiro de 2022. O capitão Ibrahim Traoré comanda o país desde então, sem qualquer sinal de que a insurgência islâmica será controlada. O Níger, onde a ameaça extremista é menor, nem por isso ficou livre da onda antidemocrática e foi palco de um golpe de Estado em julho do ano passado, com o general Abdourahamane Tchiani ascendendo ao poder.

Assimi Goita, coronel que governa o Mali, escoltado pelo exército (Foto: Twitter/PresidenceMali)

Foi o golpe no Níger que gerou um pequeno movimento democrático na África, sob a liderança da  Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). O bloco impôs sanções e até ameaçou intervir militarmente, mas nada disso bastou para Tchiani recuar. Ao contrário, a pressão fortaleceu a aliança entre os três governos, que formaram uma coalizão militar de combate ao terrorismo e pediram a desfiliação da CEDEAO em janeiro.

Ainda assim, os países prometiam que eleições democráticas seriam realizadas, mas os prazos jamais se cumpriam. No Mali, deveriam ter ocorrido em fevereiro deste ano, mas foram postergadas por “motivos técnicos”, sem uma nova data estabelecida. Em Burkina Faso, a data de julho deste ano, estabelecida pelo presidente deposto Roch Marc Christian Kaboré, não será respeitada. O mesmo ocorreu no Níger, sempre sob o argumento de que a prioridade não é votar, e sim enfrentar o extremismo.

“A abordagem destes regimes militares, que consiste em dar prioridade à luta contra o terrorismo em detrimento da questão da democracia, coloca efetivamente em risco o regresso à ordem constitucional, porque ninguém sabe quando a segurança irá regressar”, disse à rede France 24 o jornalista Abba Seidik, especializado em assuntos do Sahel.

Um forte sinal de que não há qualquer plano para a retomada de governos civis é o distanciamento crescente dessas três nações em relação ao Ocidente. A França foi a primeira vítima, com suas tropas expulsas e o acordo de segurança que visava justamente a luta contra os jihadistas rompido. A Rússia ganhou terreno através do Wagner Group, que vive futuro incerto desde a morte de seu líder, Evgeny Prigozhin.

Moscou não admite abrir mão da África, que representa ainda uma fonte de renda crucial, conforme o país se afoga nos gastos com a guerra da Ucrânia. A Rússia faturou, somente desde o início do conflito, US$ 2,5 bilhões com ouro de países africanos.

Com o Wagner perto da extinção, outros grupos surgiram nos mesmos moldes, e quem melhor se posiciona para assumir o espólio do antecessor é uma organização paramilitar privada chamada “The Africa Corps“, atrelada ao Ministério da Defesa russo, embora não seja integrada às Forças Armadas.

Com os russos ao lado das juntas militares, nem a presença de soldados dos EUA é tolerada atualmente, e Washington já começou a retirar suas tropas do território nigerino. Assim, tendo apenas Moscou ao lado, as aspirações democráticas tendem a ser ainda mais sufocadas no Mali, em Burkina Faso e no Níger.

“Estes países praticam uma forma de militarismo populista, não têm intenção de enfrentar os resultados eleitorais e estão organizando mobilizações populares para se legitimarem”, afirmou Thierry Vircoulon, especialista em África Subsaariana do Instituto Francês de Relações Internacionais (IFRI).

Em vezes de eleições e de uma reintegração gradativa à CEDEAO, Mali, Burkina Faso e Níger mergulham cada vez mais em sua realidade própria, como se fossem suficientes entre si e sob o guarda-chuva da Rússia.

Não por acaso, o discurso de seus governantes está cada vez mais alinhado com o do Kremlin, como Traoré deixou claro pouco após anunciar a saída da CEDEAO. “É preciso saber despertar o patriotismo num povo, dar-lhe confiança, saber que a sua pátria é a única coisa que lhe resta”, disse o militar.

De acordo com Seidik, se nem a pressão externa surte efeito sobre os militares, dificilmente a mudança partirá de dentro. “Os parceiros regionais e a comunidade internacional continuam a pressioná-los para a realização de eleições, bem como um segmento silencioso de sua população, que não devemos esquecer”, disse o jornalista. “Mas estas pessoas vivem numa sociedade onde a liberdade de expressão foi consideravelmente restringida.”

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