População do Níger teme ação militar de vizinhos e abre recrutamento de novos soldados

Campanha de alistamento voluntário é coordenada por civis e visa a fortalecer o exército para eventual conflito com as tropas das CEDEAO

Diante da possibilidade de uma ação militar por parte da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), que contesta o golpe de Estado ocorrido no Níger em julho, parte da população da nação africana iniciou uma campanha popular de recrutamento de novos soldados para suas forças armadas. As informações são da agência Associated Press (AP).

A CEDEAO colocou suas tropas de prontidão para um eventual invasão ao Níger, caso a junta militar atualmente no poder não restabelece o governo democrático do presidente deposto Mohamed Bazoum. Até agora, os governos do Chade e da Nigéria já se posicionaram a favor da invasão, temerosos de que o golpe de Estado no vizinho prejudique seus esforços na luta contra o terrorismo islâmico.

Diante da ameaça, cidadãos nigerinos criaram a organização Voluntários Para a Defesa do Níger, que pretende recrutar médicos, combatentes e outros profissionais, como engenheiros e especialistas em logística, para fortalecer a defesa nacional. Embora o governo militar não tenha envolvimento direto com o processo, está ciente dele.

A campanha será oficialmente iniciada no próximo sábado (19), na capital Niamei, e atingirá também as cidades que fazem fronteira com países da CEDEAO. O processo de alistamento será aberto para todas as pessoas com ao menos 18 anos de idade. Os candidatos terão seus nomes entregues à junta, que então poderá convocá-los para as forças armadas.

Mohamed Bazoum, presidente deposto do Níger (Foto: twitter.com/PresidenceNiger)
A Rússia e o Ocidente

Embora CEDEAO e Níger digam que uma solução pacífica é a prioridade, a ação militar é uma alternativa real. O bloco argumenta que, se a tomada de poder no Níger for bem-sucedida, outras poderiam ocorrer na África, levando a uma sucessão de golpes de Estado que de certa forma já está em curso e se alastraria ainda mais.

Pesa contra a invasão a possibilidade de ela gerar um conflito de maior amplitude, com o envolvimento inclusive de superpotências. O primeiro país arrastado para a guerra seria a Rússia, que através do Wagner Group é parceira de Mali e Burkina Faso, nações igualmente governadas por juntas militares e a favor do golpe no Níger.

Em comunicado conjunto transmitido por emissoras estatais no início de agosto, malineses e burquinense alertaram que qualquer intervenção em território nigerino seria considerada “uma declaração de guerra” também contra esses dois países.

No Níger, por outro lado, é forte a presença de soldados da França, que ao menos por enquanto mantém com o governo local uma parceria para combater o terrorismo.

Paris não vê com bons olhos o novo golpe, pois as tomadas de poder no Mali em Burkina Faso já levaram à expulsão de suas tropas, substituídas justamente pelos mercenários russos como novos parceiros para a luta contra organizações terroristas.

Como a França, os EUA mantêm no Níger um contingente militar, de cerca de mil soldados destacados para combater a insurgência islâmica. Washington, portanto, tem interesse especial na situação, vez que a expulsão dos franceses pelas nações africanas poderia a comprometer a luta dos norte-americanos contra o terrorismo.

Por que isso importa?

Em 26 de julho, o Níger foi palco de um golpe de Estado, no qual o general Abdourahamane Tchiani, alegando “deterioração da situação de segurança” no país devastado pela ação de grupos jihadistas, se autodeclarou líder nacional dois dias depois após destituir o presidente democraticamente eleito Mohamed Bazoum. 

A ascensão ao poder de Bazoum, eleito no final de fevereiro de 2021, marcou uma transferência pacífica de poder histórica no Níger desde sua independência da França em 1960. Ele agora encontra-se sob custódia da guarda presidencial no palácio da presidência e pode ser julgado sob a acusação de “alta traição”.

O político é reconhecido como um aliado fundamental nos esforços ocidentais para combater a insurgência islâmica na região do Sahel, e Niamei é um dos principais beneficiários da ajuda externa.

Apesar dos apelos de diversos países e blocos regionais, clamando pela reinstauração do presidente deposto, Tchiani rejeitou tais chamados, argumentando que configuram “interferência nos assuntos internos do país”.

Um dos países mais pobres do mundo, conforme classificação da ONU (Organização das Nações Unidas), o Níger luta contra o alastramento do Boko Haram, ligado à Al-Qaeda, e do ISWAP (Estado Islâmico da África Ocidental), ambos da Nigéria, que já expandiram sua atuação para a nação vizinha.

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