Rebeldes ameaçam deixar negociações de paz após o Mali expulsar missão da ONU

Coalizão de milícias que negocia um cessar-fogo com o governo exige uma 'alternativa credível' para substituir a Minusma

A decisão do Mali de expulsar a missão de paz da ONU (Organização das Nações Unidas), a Minusma, gerou o primeiro problema para o governo do país africano. Uma coalizão de grupos rebeldes que vem negociando um cessar-fogo com a junta militar ameaça abandonar o diálogo caso os soldados das Nações Unidas realmente se retirem, segundo a agência Reuters.

“A partida da Minusma sem uma alternativa credível constituiria uma ameaça à segurança no Mali e em toda a região”, disse a coalizão, denominada Quadro Estratégico Permanente para a Paz, Segurança e Desenvolvimento (CSP-PSD), que emitiu um comunicado na quarta-feira (21).

A saída da missão foi solicitada por Abdoulaye Diop, ministro das Relações Exteriores do Mali, durante pronunciamento ao Conselho de Segurança da ONU no final da semana passada. Segundo ele, a Minusma “se tornou parte do problema ao alimentar as tensões intercomunitárias” na nação. Ainda não está claro se as forças de paz de fato irão embora ou quando isso acontecerá.

Assimi Goita, coronel que governa o Mali (Foto: reprodução/twitter.com/PresidenceMali)

Bamako entende que os 13 mil soldados de paz falharam na missão de ajudar a policiar a nação africana, afetada na última década pela insurgência islâmica. Embora não fale abertamente, a junta militar que governa o Mali priorizará a partir de agora a parceria firmada com os mercenários russos do Wagner Group.

De acordo com a Reuters, também pesa para a expulsão o fato de que o governo e a ONU têm visões diferentes quanto à função dos soldados de paz. Bamako queria que a Minusma atuasse como uma força de combate contra os extremistas islâmicos, mas as Nações Unidas argumentaram que tais ações não fazem parte das diretrizes da Minusma. O Wagner, por sua vez, realiza tais funções.

A expulsão da Minusma tem gerado críticas e alertas internacionais. Ahmedou Ould-Abdallah, ex-ministro das Relações Exteriores da Mauritânia e que no passado serviu como alto funcionário da ONU na África Ocidental, diz que a simples ordem emitida por Bamako já criou um problema difícil de ser solucionado.

“Se [a Minusma] sair, haverá anarquia e guerra civil, especialmente contra os civis e os fracos. Se ficar, estará quase desacreditada”, disse ele.

A Minusma é a missão de paz que mais perdeu homens entre todas as que a ONU mantém no mundo, com 170 mortes em combate desde que se instalou no Mali, em 2013. A saída dela se segue à expulsão das tropas francesas, que também tinham um acordo com Bamako para ajudar no combate à insurgência islâmica e foram expulsas no ano passado.

Por que isso importa?

O Mali vive um período de instabilidade que começou com o golpe de Estado em 2012, quando grupos rebeldes e insurgentes islâmicos tomaram o poder no norte do país. De quebra, a nação, independente desde 1960, viveu em maio de 2021 o terceiro golpe de Estado em um intervalo de apenas dez anos, seguindo o que já havia ocorrido em 2012 e também em 2020.

A mais recente turbulência política começou semanas antes do golpe, com a demissão do primeiro-ministro Moctar Ouane pelo presidente Bah Ndaw. Reconduzido ao cargo pouco depois, Ouane não conseguiu formar um novo governo, e a tensão aumentou com a falta de pagamento dos ingressos dos professores. O maior sindicato da categoria, então, começou a se preparar para uma greve.

Veio a noite do dia 24 de maio, quando o coronel Assimi Goita, vice-presidente do país, destituiu Ndaw e Ouane de seus cargos e ordenou a prisão de ambos na capital Bamako. Segundo ele, os dois líderes civis violaram a carta de transição ao não consultarem os militares na formação do novo governo.

Ao contrário do que ocorreu em golpes anteriores, que contaram com apoio popular, desta vez a maior parte da população rejeitou a tomada de poder por Goita, que derrubou o governo de transição recém-instituído e assumiu o comando do país. A população civil não foi às ruas protestar contra o militar, mas usou as redes sociais para mostrar sua insatisfação.

Em meio à instabilidade política, cresceu no país a presença de grupos jihadistas ligados à Al-Qaeda e principalmente ao Estado Islâmico (EI), o que levou a uma explosão de violência nos confrontos entre extremistas e militares, com milhares de civis entre as vítimas.

Os conflitos, antes concentrados no norte do Mali, se expandiram inclusive para os vizinhos Burkina Faso e Níger. Assim, a região central maliana se tornou um dos pontos mais violentos de todo o Sahel africano, com frequentes assassinatos étnicos e ataques extremistas contra as forças do governo.

A situação tornou-se ainda mais delicada devido à retirada das tropas da França, que até agosto de 2022 colaboravam com o governo nacional nas operações de contraterrorismo. A decisão de Paris de evacuar seus militares gerou dúvidas quanto à capacidade de o país africano sustentar os avanços obtidos na luta contra os insurgentes.

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