Putin não ordenou a morte de Navalny, segundo os serviços de inteligência dos EUA

Agências de espionagem não inocentam o presidente, mas dizem que o momento da morte do opositor foi prejudicial ao líder russo

Desde o dia 16 de fevereiro, quando Alexei Navalny morreu enquanto cumpria pena em uma prisão no Ártico russo, aliados dele, grupos de defesa dos direitos humanos, governos estrangeiros e até a ONU (Organização das Nações Unidas) têm atribuído o ocorrido ao governo russo. Segundo reportagem do The Wall Street Journal, porém, é improvável que o presidente Vladimir Putin tenha ordenado a morte de seu principal rival político.

A constatação de que o líder russo não foi o mandante do crime é da inteligência norte-americana, um posicionamento corroborado por agências de outros países. Embora não afastem completamente a responsabilidade de Putin, as agências de espionagem dos EUA entendem que o presidente da Rússia não ordenou diretamente a morte de Navalny naquele momento.

Entre as entidades que concordam com a avaliação, o jornal destaca a CIA (Agência Central de Inteligência, da sigla em inglês), o Gabinete do Diretor de Inteligência Nacional e a unidade de inteligência do Departamento de Estado.

Para chegar a tal conclusão, a inteligência norte-americana considerou uma série de fatores, entre eles informações secretas e outras de domínio público. Avaliou, por exemplo, que o momento da morte de Navalny foi prejudicial para Putin, que teve sua reeleição como presidente ofuscada.

Alexei Navalny, principal opositor de Vladimir Putin na Rússia (Foto: Wikimedia Commons)

Outro ponto controverso foi revelado dias depois da morte pela jornalista Maria Pevchikh, uma aliada de Navalny. Segundo ela, autoridades russas estavam perto de realizar uma troca envolvendo o falecido líder da oposição e dois cidadãos norte-americanos.  As negociações para a troca de prisioneiros estavam em estágios finais na noite de 15 de fevereiro, véspera da morte.

A posição, entretanto, não é aceita pelos aliados de Navalny. Leonid Volkov, ex-assessor do rival de Putin, afirmou que aqueles que alegam a inocência do presidente russo “claramente não entendem nada sobre como funciona a Rússia moderna.” Ainda segundo ele, “a ideia de Putin não ser informado e não aprovar o assassinato de Navalny é ridícula.”

Ao descartar Putin, a inteligência norte-americana contraria inclusive o presidente Joe Biden, que acusou abertamente seu homólogo. “Não se engane: Putin é responsável pela morte de Navalny”, disse o presidente dos EUA logo após a morte, segundo o jornal The New York Times. “O que aconteceu com Navalny é ainda mais uma prova da brutalidade de Putin. Ninguém deve ser enganado.”

Em Washington, as mesmas pessoas que contestam o fato de Putin ter sido o mandante admitem não ter uma explicação para a morte de Navalny e dizem que as circunstâncias talvez jamais sejam esclarecidas.

Quem foi Alexei Navalny

Mais proeminente opositor do presidente russo Vladimir Putin, Navalny ganhou destaque ao organizar manifestações e concorrer a cargos públicos na Rússia. A rede dele chegou a ter 50 sedes regionais e denunciava casos de corrupção envolvendo o governo, o que levou o Kremlin a agir judicialmente para proibir a atuação do opositor, que então passou a ser perseguido.

Em agosto de 2020, durante viagem à Sibéria, Navalny foi envenenado e passou meses se recuperando em Berlim. Ele voltou a Moscou em 17 de janeiro de 2021 e foi detido no aeroporto. Um mês depois, foi julgado e condenado por violar uma sentença suspensa de 2014, um caso de fraude. Os promotores alegaram que ele não se apresentou à polícia justamente quando estava em coma pela dose tóxica.

Encarcerado em uma colônia penal de alta segurança, chegou a fazer uma greve de fome para protestar contra a falta de atendimento médico. Depois, em junho de 2021, um tribunal russo proibiu os escritórios regionais e a Fundação Anticorrupção (FBK) dele de funcionarem, classificando-os como “extremistas”. Julgado e condenado, o oposicionista jamais recuperou a liberdade e mantinha contato com seus seguidores pelas redes sociais, atualizadas por aliados.

A última medida retaliatória do governo contra Navalny foi transferi-lo para a gelada colônia penal IK-3, no Ártico russo, onde ele morreu no dia 16 de fevereiro de 2024. O inimigo número um de Putin desmaiou quando caminhava no pátio, e as tentativas de ressuscitá-lo, segundo os agentes carcerários, foram em vão.

Navalny cumpria pena de 30 anos por acusações diversas, que vão desde fraude até extremismo, esta a mais grave. Ele sempre alegou que as acusações eram politicamente motivadas e frequentemente reclamava do tratamento que recebia no cárcere, dizendo inclusive que sua saúde estava debilitada por isso.

A perseguição de que era vítima levou aliados, grupos de defesa dos direitos humanos, governos estrangeiros e até a ONU (Organização das Nações Unidas) a culparem o governo russo pela morte, alguns usando a palavra “assassinato”.

Após a morte, retomou-se o debate sobre o retorno dele à Rússia, mesmo sabendo que seria preso e possivelmente morto pelo regime. A mulher dele, Yulia Navalnaya, disse que Navalny não pôde optar por uma vida tranquila no exílio porque “amava profundamente” a Rússia e acreditava no potencial do povo russo para um futuro melhor. Alegou ainda que o marido não apenas expressava essas convicções, mas as vivia intensamente, estando até mesmo disposto a sacrificar sua vida por elas.

Tags: