A expansão da atuação chinesa na América Latina tem diminuído o poder econômico dos Estados Unidos na região, tornando Beijing um parceiro estratégico para nações como Brasil e Peru. Com investimentos robustos em setores fundamentais, a China se destaca como principal aliado comercial local, enquanto Washington perde influência inclusive política no continente. As informações são da agência Reuters.
No Peru, uma das iniciativas que simbolizam essa mudança é o megaporto de Chancay, construído pela estatal chinesa Cosco Shipping. Localizado ao norte de Lima, o projeto facilitará o transporte de mercadorias do Pacífico para a Ásia, encurtando em até 20 dias as rotas para os portos chineses. O Brasil também se beneficiará da infraestrutura, com a possibilidade de exportar soja diretamente pelo porto peruano, economizando custos e tempo.
O embaixador brasileiro em Lima, Clemente Baena Soares, destacou que o novo porto reduzirá quase pela metade o tempo de envio de soja brasileira para a Ásia, o que fortalece ainda mais a parceria comercial entre Brasil e China. A infraestrutura também atrai o interesse de autoridades brasileiras em agilizar a burocracia e aumentar o limite de carga para facilitar o transporte nas rodovias que ligam os dois países.
Pensando nisso, o governo peruano está promovendo um projeto ferroviário de US$ 10 bilhões para conectar o país ao Brasil, criando uma rota terrestre para o transporte de produtos agrícolas brasileiros até o Pacífico.
A relação entre China e América Latina se intensificou com a demanda crescente de Beijing por recursos naturais como cobre, soja e carne bovina. Essa dinâmica trouxe um desafio direto à influência dos EUA na região. Desde a política “América Primeiro” do ex-presidente Donald Trump até a administração de Joe Biden, a América Latina ficou em segundo plano para Washington, facilitando a expansão chinesa.
Representantes do governo dos EUA alertam que os investimentos chineses na região podem trazer riscos, mas autoridades locais têm sido pragmáticas. “O Peru está aberto a negócios com todos”, afirmou um alto funcionário peruano, destacando que a China tem oferecido investimentos mais concretos na região do que os EUA nos últimos anos, embora ambos sejam vistos como aliados interessantes.
Na América Latina, entretanto, a visão é a de que a China está apenas tampando um buraco deixado por Washington. “Que os Estados Unidos venham investir; não o fizeram por muitos anos”, afirmou Mario de las Casas, representante da Cosco Shipping no Peru.
Preocupação nos EUA
Tamanho poder de influência chinês vem sobretudo por meio da iniciativa multibilionária Nova Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês, de Belt And Road Initiative), que ofereceu aos países em desenvolvimento portos, ferrovias, usinas de energia e outras infraestruturas, financiados por empréstimos concedidos a taxas de mercado. Isso impõe aos EUA o desafio de reconquistar a relevância econômica e política que outrora tiveram no continente.
“A China entrou na região de forma agressiva, está aprendendo rapidamente e está preparada para permanecer no longo prazo”, disse Eric Farnsworth, ex-funcionário do Departamento de Estado. “A menos que os Estados Unidos priorizem significativamente a política econômica regional de uma forma nova e mais eficaz, a região continuará a se inclinar para os interesses chineses.”
Em abril de 2023, David Castrillon-Kerrigan, professor-pesquisador sobre questões relacionadas à China na Universidade Externado da Colômbia, já havia alertado que o governo dos EUA está “perdendo o controle” da América Latina.
“Os Estados Unidos estão definitivamente perdendo influência em todas as frentes, especialmente na frente econômica, mas também diplomática, política e cultural”, disse ele.
Entre 2005 e 2020, os chineses investiram mais de US$ 130 bilhões na América Latina, segundo o Instituto de Paz dos Estados Unidos. O comércio entre a China e a região também disparou, devendo chegar a mais de US$ 700 bilhões até 2035.