A China é hoje o maior parceiro comercial das nações da América Latina, e sua Nova Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês, de Belt And Road Initiative) tem projetos sendo desenvolvidos inclusive em vizinhos do Brasil. A presença chinesa é particularmente forte no Peru, podendo impactar na economia brasileira. A situação levou o deputado Capitão Alberto Neto (PL/AM) a questionar o governo federal, citando o interesse de Beijing pela região amazônica e destacando os possíveis efeitos nocivos dessa situação.
“O Peru, nossa nação vizinha, está se tornando um ponto de entrada estratégico para a influência chinesa na região amazônica, o que inevitavelmente levanta preocupações sobre a soberania e a segurança do Brasil”, diz requerimento de informações endereçado pelo deputado ao ministro das Relações Exteriores Mauro Vieira.
Um projeto chinês em particular reflete no Brasil. É o Porto de Chancay, investimento bilionário que deve entrar em operação ainda neste ano. Orçado em US$ 3,5 bilhões, ele foi construído dentro da BRI, uma iniciativa do presidente chinês Xi Jinping centrada no investimento em infraestrutura e que visa espalhar a influência de Beijing pelo mundo.
O porto, cujas obras estão 70% concluídas, marcou uma importante vitória da China sobre os EUA no comércio com a América Latina, região que desde 2018 tem em Beijing seu maior parceiro comercial. Entre os mais de 150 países inseridos na BRI, 22 são latino-americanos.
Chancay servirá como porta de entrada para a China na América do Sul, onde Beijing vem aumentando consistentemente sua presença, e fortalecerá também a relação chinesa com o Brasil, sob a perspectiva de facilitar o comércio entre os países.
Entre os principais produtos que passarão por Chancay está a soja brasileira, que atualmente segue em direção à Ásia pelo Canal do Panamá e contornando o Atlântico. O trajeto, agora, será bem mais curto. E a ligação do porto peruano com o Brasil pode ser feita pela Rota Amazônica, um projeto debatido entre Brasil, Colômbia, Equador e Peru.
De acordo com a rede CNN, o ministro dos Transportes peruano, Raúl Reyes, pediu que a questão fosse debatida, com os portos de Chancay e Paita inseridos na Rota Amazônica, inicialmente programada para ligar Manaus, capital amazonense, a Manta, uma cidade portuária do Equador.
O que leva ao questionamento do deputado em seu requerimento, “A presença crescente da China na Amazônia não pode ser vista apenas como uma questão econômica ou de desenvolvimento. Precisamos estar vigilantes quanto às intenções geopolíticas por trás desses investimentos”, diz o texto.
Em conversa com a reportagem de A Referência, o deputado reforçou sua preocupação com o alcance dos projetos chineses em países vizinhos. “Avalio a presença crescente de empresas chinesas na América Latina, inclusive no Brasil, com certa preocupação”, disse o Capitão Alberto Neto. “A presença de empresas chinesas na América Latina vem se ampliando ao longo das últimas três décadas e chega no século 21 com investimentos em segmentos considerados estratégicos, dentre eles a infraestrutura.”
Ele destaca o sistema político de Beijing, sob o guarda-chuva único do Partido Comunista Chinês (PCC), como uma arma para melhor alcançar as nações estrangeiras. “A China possui o sistema fiscal, federativo e tributário centralizado, e reformas recorrentes tornaram o sistema tributário menos oneroso, fazendo com que grandes investimentos sejam factíveis e extrapolem as fronteiras, a exemplo do que vem ocorrendo na América Latina.”
A crise Peru x China
O caso peruano mostra que as preocupações são válidas. Nos últimos meses, a Cosco Shipping Ports, empresa estatal chinesa que adquiriu o direito de operar o Porto de Chancay, entrou em choque com o governo peruano, que tentou desfazer o acordo e encontrou resistência da companhia.
O direito exclusivo de operação do porto, que começou a ser construído em 2019, foi concedido à Cosco em 2021 pela Autoridade Portuária do Peru. Em março deste ano, já com as obras no estágio final, o órgão voltou atrás em sua decisão e afirmou que jamais teve competência legal para fazer tal concessão, o que tornaria o contrato inválido. Alegou que um “erro administrativo viabilizou” o acordo.
A Cosco, entretanto, não aceita o argumento e afirma que tem o direito legítimo de operar o porto sozinha, com base nos “termos que foram acordados no início deste investimento.”
A situação gerou um alerta de Sergio Cesarin, coordenador do Centro de Estudos da Ásia-Pacífico e Índia na Universidade Nacional de Tres de Febrero, na Argentina. “Nossos governantes e conselheiros econômicos tomam decisões com base na busca por lucros imediatos. Mas, quando a China investe ou empresta dinheiro, ela o faz sob condições leoninas”, disse ele ao site Diálogo Américas.
Cesarin fala em “coerção econômica” por parte da China. “Ao estabelecer relações econômicas, especialmente com países latino-americanos, ela gera uma dependência que lhe dá elementos de pressão e penalização se um país tenta mudar as regras do jogo”, disse. “É uma estratégia de força e pressão, que a China emprega com todos os países onde opera.”
Com tal cenário em mente, o deputado destaca no requerimento a importância de o Brasil ditar as regras, não a China. “Devemos promover o desenvolvimento sustentável da região com base em nossos valores e interesses nacionais. Isso inclui fortalecer nossas alianças internacionais com democracias que compartilhem nossos valores e investir em infraestrutura e segurança para proteger nossos recursos naturais”, diz o Capitão Alberto Neto no documento.