Ex-jogador de futebol acusado de terrorismo é inocentado nos Estados Unidos

Nizar Trabelsi, que passou a carreira inteira no futebol alemão, era acusado de planejar um ataque contra militares norte-americanos

Nizar Trabelsi, um ex-jogador de futebol profissional da Tunísia, foi julgado e inocentado das acusações de terrorismo imputadas a ele nos Estados Unidos. O veredito favorável ao réu, raro em casos do gênero, foi anunciado na última sexta-feira (14) em Washington, de acordo com a rede CNN.

O ex-atleta, que vinha sendo julgado desde maio, era alvo de três acusações: conspiração e tentativa de usar arma de destruição em massa e conspiração para matar cidadãos norte-americanos. Ele foi absolvido por unanimidade.

Trabelsi atuou como jogador profissional entre 1989 e 1994, chegando a defender por uma temporada o Fortuna Dusseldorf, clube que na ocasião disputava a primeira divisão do Campeonato Alemão. Ele atuou no país até 1994.

Em 2001, pouco antes dos ataques de 11 de setembro realizados pela Al-Qaeda nos Estados Unidos, o tunisiano viajou ao Afeganistão. Lá, de acordo com o governo norte-americano, chegou a se encontrar com Osama bin-Laden.

Naquele mesmo ano, Trabelsi foi detido na Bélgica e então passou dez anos preso, acusado de planejar um ataque terrorista à Base Aérea de Kleine-Brogel, que à época abrigava militares norte-americanos. Em 2013 ele foi extraditado para os EUA e somente agora foi julgado.

“Inocente. Finalmente, sou inocente. Vinte e dois anos”, disse o ex-atleta após ouvir a sentença.

A advogada Sabrina Shrof admitiu que o cliente dela “teve muita sorte”, dadas as chances reduzidas de absolvição em casos do gênero. Agora, segundo ela, Trabelsi “espera que o governo da Bélgica corrija seu erro, um erro que lhe custou 22 anos de vida”, embora não tenha deixado claro se pretende processar o país europeu.

Durante o julgamento, a promotoria afirmou que o réu admitiu em 2003, quando ainda era julgado na Bélgica, que pretendia usar um carro-bomba para matar militares norte-americanos. Agora, porém, ele testemunhou perante a corte e disse que a confissão anterior era falsa. Se fosse condenado, poderia pegar até prisão perpétua.

Sede do Departamento de Justiça dos EUA, em Washington (Foto: Facebook/Department of Justice U.S.)
Por que isso importa?

Embora as ações antiterrorismo globais tenham enfraquecido os dois principais grupos jihadistas do mundo, Estado Islâmico (EI) e Al-Qaeda, ambos conseguem se manter relevantes e atuantes. A estratégia dessas duas organizações inclui o recrutamento de novos seguidores através da internet e a forte presença em zonas de conflito como a África, onde são representadas por grupos afiliados regionais. O Afeganistão, agora sob o comando do Taleban, também é um porto seguro para muitos jihadistas.

O continente africano ganhou importância em meio às derrotas impostas às grandes organizações jihadistas em outras regiões, caso do Oriente Médio. Em 2017, o exército iraquiano anunciou a derrota do EI no Iraque, com a retomada de todos os territórios que o grupo dominava desde 2014. O EI, que chegou a controlar um terço do país, hoje mantém por lá apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos. Já as Forças Democráticas Sírias (FDS), apoiadas pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pelos extremistas do grupo na Síria.

Em fevereiro do ano passado, o EI sofreu um duro golpe quando o exército norte-americano anunciou ter matado Abu Ibrahim al-Hashimi al-Qurashi, líder da facção. Em outubro, o próprio grupo revelou que Abu al-Hassan al-Hashimi al-Qurashi, sucessor de Abu Ibrahim, também foi morto. Um terceiro líder do grupo, Abu al-Hussein al-Husseini al-Qurashi, foi morto em abril de 2023 durante ação de forças turcas.

No caso da Al-Qaeda, que igualmente mantém facções relevantes na África, a sobrevivência do grupo pode ser explicada também pela tomada de poder pelo Taleban no Afeganistão. “As avaliações dos Estados-Membros até agora sugerem que a Al-Qaeda tem um porto seguro sob o Taleban e maior liberdade de ação”, diz relatório da ONU divulgado no final de maio do ano passado.

“A Al-Qaeda permanece no sul e leste do Afeganistão, onde tem uma presença histórica”, diz o relatório. “O grupo supostamente tem de 180 a 400 combatentes, com as estimativas dos Estados-Membros inclinando-se para o número mais baixo”, prossegue o documento, que cita cidadãos de Bangladesh, Índia, Mianmar e Paquistão como sendo integrantes da facção.

O ex-líder da organização Ayman al-Zawahri, inclusive, foi morto em território afegão em um ataque das forças armadas dos EUA no dia 1º de agosto de 2022.

Anteriormente, a ONU já havia lembrado que a Al-Qaeda chegou a parabenizar publicamente os talibãs pela ascensão ao poder. E alegou que um filho de Bin Laden, Abdallah, visitou o Afeganistão em outubro de 2021 para reuniões com o Taleban.

No Brasil

Casos mostram que o Brasil é um porto seguro para extremistas. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram.

Mais recentemente, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles são acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

Para o tenente-coronel do Exército Brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o anúncio do Tesouro causa “preocupação enorme”, vez que confirma a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras). “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”. Saiba mais.

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