O retorno do Taleban ao poder gera preocupações globais quanto à possibilidade de o Afeganistão virar um porto seguro para a Al-Qaeda e suas afiliadas, bem como “potencial ímã para combatentes terroristas de outras regiões viajarem ao país”. A afirmação consta de um relatório publicado na última sexta-feira (4) pelo Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas).
O documento, que é publicado duas vezes ao ano, investiga as condições de atuação dos dois principais grupos terroristas do mundo, Estado Islâmico (EI) e Al-Qaeda. Na edição mais recente, como na anterior, a constatação é de que ambas as organizações continuam ativas, embora enfrentem sérios desafios impostos pelas ações globais de combate ao terrorismo e pelas limitações impostas pela pandemia.
Outro foco do relatório é a ascensão dos talibãs ao poder, em 15 de agosto de 2021. “O cenário de segurança no Afeganistão mudou drasticamente”, diz o documento. “Não há sinais recentes de que o Taleban tenha tomado medidas para limitar as atividades de combatentes terroristas estrangeiros no país. Pelo contrário, os grupos terroristas gozam de maior liberdade lá do que em qualquer momento da história recente”.
O Conselho de Segurança destaca, por exemplo, o comunicado da Al-Qaeda emitido no dia 31 de agosto no qual parabenizou o grupo radical pela tomada de poder. Desde então, a organização terrorista se manteve distante dos talibãs, “provavelmente um esforço para não comprometer os esforços do Taleban para obter reconhecimento e legitimidade internacionais”.
Entretanto, há relatos de que os talibãs não se mantiveram totalmente afastados do extremismo islâmico. “Um Estado-Membro informou que o filho de Bin Laden, Abdallah, visitou o Afeganistão em outubro para reuniões com o Taleban”, diz o documento, que também cita os indícios de que outra importante figura da Al-Qaeda ainda esteja viva. “Ayman al-Zawahiri foi relatado vivo em janeiro de 2021, mas os Estados-Membros continuam a acreditar que ele está com problemas de saúde”.
Por que isso importa?
Ações antiterrorismo globais têm enfraquecido os dois principais grupos terroristas do mundo, o EI e a Al-Qaeda. Já a pandemia de Covid-19 fez cair o número de ataques em regiões sem conflito, devido a fatores como as limitações impostas às viagens internacionais e a redução do número de pessoas em áreas públicas.
Na tentativa de manter a relevância, as organizações jihadistas têm investido em zonas de conflito, como o continente africano, e isso pode causar um impacto a curto prazo na segurança global, conforme as regras de restrição à circulação são afrouxadas.
O EI, em particular, se enfraqueceu militar e financeiramente, vitimado pela má gestão de fundos por parte de seus líderes e sufocado pelas sanções econômicas internacionais. Porém, a organização ganhou sobrevida graças ao poder de recrutar seguidores online. Atualmente, as ações do EI são empreendidas quase sempre por atores solitários ou pequenos grupos que foram radicalizados e incitados através da internet.
Em 2017, o exército iraquiano anunciou ter derrotado a organização no país, com a retomada de todos os territórios que o EI dominava desde 2014. O grupo, que chegou a controlar um terço do Iraque, hoje mantém apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos. Já as Forças Democráticas Sírias (FDS), apoiadas pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pelos extremistas no país.
Em janeiro deste ano, o exército norte-americano anunciou ter matado Amir Muhammad Sa’id Abdal-Rahman al-Mawla, principal líder da facção, durante uma operação antiterrorismo na Síria. Foi mais um duro golpe contra o EI, que em 2019 havia perdido o líder anterior, Abu Bakr al-Baghdadi.
Assim, o principal reduto do EI tornou-se o continente africano, onde conseguem se manter relevante graças à ação de grupos afiliados regionais, como Al-Shabaab, ISWAP, EIGS e Boko Haram. A expansão em muitas regiões da África é alarmante e pode marcar a retomada de força global da organização, algo que em determinado momento tende refletir em regiões sem conflito, como Europa e Estados Unidos, alvos preferenciais de ataques terroristas.
A Al-Qaeda, por sua vez, passou a contar com um forte aliado no Afeganistão, que desde a tomada de poder pelo Taleban abriu as portas do país para os extremistas do grupo. Grupos afiliados à organização terrorista também continuam a controlar o noroeste da Síria, na área de Idlib.
No Brasil
Casos mostram que o Brasil é um porto seguro para extremistas. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.
Em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.
Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram.
Mais recentemente, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles são acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.
Para o tenente-coronel do Exército Brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o anúncio do Tesouro causa “preocupação enorme”, vez que confirma a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.
“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras). “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”. Saiba mais.