Enquanto diversas democracias restringem ou banem o uso de tecnologias chinesas por razões de segurança nacional, o Brasil segue caminho oposto e oferece liberdade quase irrestrita a empresas da China como a Huawei e a ByteDance, operadora do TikTok. Alvos de sanções e bloqueios em países como EUA, Canadá, Alemanha e Austrália, ambas anunciaram novos investimentos no setor digital brasileiro, especialmente em infraestrutura de nuvem e inteligência artificial, de acordo com o jornal South China Morning Post.
O ambiente permissivo incentiva uma nova rodada de expansão das gigantes chinesas no país. A Huawei deve formalizar um acordo com a Dataprev, estatal responsável pela gestão de dados sociais do governo federal, para utilizar sua infraestrutura de centros de dados. Em paralelo, a empresa negocia uma parceria com a Edge UOL, divisão de computação em nuvem do Grupo UOL PagSeguro, como parte da estratégia para consolidar sua presença no mercado brasileiro de tecnologia.
As tratativas foram impulsionadas por uma reunião realizada em maio, na cidade de Dongguan, na China. “Queremos ser a ponte entre a China e a América Latina”, declarou o presidente da Huawei Cloud para a América Latina Mark Chen, que classificou a empresa brasileira como “parceira estratégica de serviços”.

Segundo Rodrigo Lobo, diretor de operações da Edge UOL, a parceria busca acelerar a expansão da infraestrutura digital, com foco em cibersegurança e inteligência artificial, para transformar o Brasil em uma base tecnológica relevante na região.
A ByteDance, por sua vez, estuda instalar novos centros de dados no país. Um dos projetos em discussão envolve uma megainstalação de 300 megawatts no Ceará, em parceria com a fornecedora de energia renovável Casa dos Ventos. A estrutura tem potencial para triplicar de tamanho e se tornar um dos maiores empreendimentos do setor na América Latina.
Os investimentos se apoiam em acordos firmados entre os governos de Brasil e China nos últimos dois anos. Em 2023, durante visita de Xi Jinping a Brasília, os dois países assinaram um pacto para cooperação em inteligência artificial, com ênfase em desenvolvimento conjunto e capacitação técnica. A parceria foi retomada em maio deste ano, durante a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Fórum China-Celac, em Beijing.
“Queremos tudo o que eles [a China] puderem compartilhar conosco. E a palavra correta é ‘compartilhar’, porque precisamos aprender a trabalhar juntos para que as coisas deem os frutos de que precisamos”, declarou Lula durante a visita oficial.
Desconfiança global
A Huawei, uma das maiores fornecedoras de equipamentos de telecomunicações do mundo, enfrenta restrições em várias democracias ocidentais por suspeitas de envolvimento com atividades de espionagem do governo chinês. EUA, Canadá, Alemanha, Austrália, Reino Unido e Nova Zelândia já baniram seus equipamentos das redes 5G, citando riscos à segurança nacional. A Comissão Europeia também classificou a empresa, ao lado da ZTE, como uma fornecedora de “risco elevado” para a infraestrutura crítica do continente.
A desconfiança é baseada na suposta proximidade das companhias do setor com o governo chinês. Autoridades ocidentais citam a Lei de Inteligência Nacional da China, de 2017, segundo a qual as empresas nacionais devem “apoiar, cooperar e colaborar com o trabalho de inteligência nacional”, o que poderia forçar as gigantes da telefonia a trabalhar a serviço do Partido Comunista Chinês (PCC).
A ByteDance também é alvo de desconfiança crescente em diversas partes do mundo. Nos EUA, o ex-presidente Joe Biden sancionou uma lei obrigando a venda do TikTok até abril de 2025, sob pena de banimento, com o argumento de que os dados dos usuários podem ser acessados pelo governo chinês. O processo, porém, foi interrompido desde que Donald Trump assumiu o poder.
No Canadá, o diretor do CSIS (Serviço de Inteligência de Segurança) afirmou que o TikTok é parte de uma estratégia chinesa para coletar informações pessoais em escala global, alertando sobre o uso de big data e inteligência artificial para fins de vigilância. A empresa nega qualquer vínculo com o PCC, mas os questionamentos sobre a transparência de sua operação persistem.
Dados sigilosos roubados
Um caso em particular se enquadra nesse cenário. Em janeiro de 2017, a União Africana (UA) descobriu que servidores de sua sede, na capital etíope Adis Abeba, enviavam diariamente, durante a madrugada, dados sigilosos a um servidor na China e que o prédio estava repleto de microfones escondidos. Os servidores foram trocados, mas um problema semelhante se repetiu em 2020, quando os novos foram invadidos por hackers chineses que roubaram vídeos de vigilância das áreas interna e externa.
Não por coincidência, o prédio havia sido construído com financiamento chinês, por uma construtora chinesa. E os servidores originais, aqueles de 2017, eram chineses. Esse episódio, com o qual Beijing nega ter relação, explica a desconfiança generalizada com a infraestrutura digital proveniente da China.