Maduro mostra que moderação era conversa fiada e fortalece a repressão às vésperas da eleição

Com oposição impedida de concorrer e prisões arbitrárias, condições para um pleito livre e justo não estão presentes na Venezuela

Por André Amaral

A quatro meses das eleições de 2024, a Venezuela enfrenta uma crescente desconfiança. Os principais candidatos da oposição foram sancionados e inabilitados para concorrer a cargos públicos, lançando dúvidas sobre a integridade do processo eleitoral no país, apesar do governo de Nicolás Maduro ter gerado expectativas ao fechar um acordo com seus opositores no ano passado para realizar um pleito aberto em 2024.

Apesar de o autoritário presidente ter sinalizado moderação, a atmosfera nunca deixou de ser pesada. Especialistas em direitos humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) e da Human Rights Watch (HRW) documentaram casos de violações graves no país, incluindo prisões arbitrárias, desaparecimentos forçados e e casos de tortura ou tratamento cruel contra os detidos. A situação alarmante tem atraído a atenção de países como Brasil, Colômbia e países europeus, que estão buscando assegurar que o processo eleitoral seja conduzido de forma justa e que a oposição tenha a oportunidade real de participar das eleições.

Porém, não há muito otimismo em relação a isso. Em janeiro, o Supremo Tribunal da Venezuela, alinhado ao governo de Maduro, confirmou que a líder da oposição Maria Corina Machado não poderá ocupar cargos públicos por 15 anos, enquanto o possível substituto dela, Henrique Capriles, está inelegível.

Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, durante coletiva por ocasião de sua visita ao Brasil (Foto: Ricardo Stuckert/Palácio do Planalto – Flickr)

Na semana passada, um diretor de campanha de Maria Corina foi detido, segundo informações de um político da oposição, repercutiu o Digital Journal, elevando para quatro o número de assessores presos desde janeiro.

O procurador-geral da Venezuela confirmou a prisão de Emil Brandt Ulloa em um tribunal em Barinas, conforme anunciado no X, antigo Twitter.

Apesar de oficialmente inelegível para a eleição presidencial de 28 de julho, Maria estendeu sua campanha secreta para o estado de Barinas no começo do mês, o território político do falecido presidente Hugo Chávez.

“O regime de Nicolas Maduro sequestrou nosso diretor de campanha no estado de Barinas”, denunciou Maria nas redes sociais.

Segundo o procurador-geral Tarek William Saab, Brandt era procurado há semanas por suposto envolvimento em conspirações “violentas” e “terroristas” contra o governo.

Saab afirmou que o gestor da campanha enfrentará julgamento em um tribunal de Caracas por “conspiração, associação, violência de gênero e insulto a um funcionário público”.

Em janeiro, três líderes de campanha regional foram detidos sob alegações de conspiração contra o governo Maduro e permanecem presos no Helicoid, um temido centro de detenção de inteligência.

Washington promete represálias

Diante da situação, em um discurso em Washington, Brian Nichols, secretário de Estado adjunto dos EUA para Assuntos do Hemisfério Ocidental, subiu o tom contra Caracas, repercutiu a agência Reuters. No último dia 7, ele destacou que Maduro tomou medidas que considera na “direção errada”. Isso inclui manter a proibição eleitoral contra Maria Corina e a prisão de dezenas de ativistas opositores.

Washington prometeu impor sanções ao setor energético venezuelano até meados de abril, a menos que Maria seja autorizada a concorrer e Maduro cumpra outros compromissos feitos em um acordo com a oposição há cinco meses.

“Os prazos são apertados e não queremos prejulgar o desfecho, mas a trajetória do governo Maduro é profundamente preocupante”, afirmou Nichols.

Em outubro de 2023, o Tesouro dos EUA retirou, durante seis meses, um vasto conjunto de sanções que paralisavam a economia, um dia depois de Maduro ter “concordado” em Barbados em realizar eleições presidenciais livres e justas em 2024 e em libertar prisioneiros norte-americanos na Venezuela. Os termos do acordo estipulavam que, caso Maduro violasse a sua parte do acordo, Washington poderia restabelecer as sanções da era de 2019. O Wall Street Journal previu que a medida impulsionaria a economia venezuelana, que se contraiu cerca de 80% durante o governo corrupto e inepto de Maduro, representando um lucro inesperado de entre US$ 6 bilhões e US$ 10 bilhões.

Falácia

O pacto de Maduro com a oposição feito no ano passado, com a presença de observadores internacionais no pleito, resultou na flexibilização das sanções dos EUA, permitindo à Chevron retomar a extração limitada de petróleo e possibilitando uma troca de prisioneiros.

O acordo estipulava que os candidatos da oposição teriam o direito de apelar de decisões judiciais que os desqualificassem para ocupar cargos.

No entanto, o alto funcionário do governo Diosdado Cabello, considerado o número dois do chavismo, afirmou que as eleições aconteceriam “sem a presença” dos Estados Unidos ou da Organização dos Estados Americanos (OEA), o que vai contra o que foi estabelecido no acordo.

Muitos países se recusaram a reconhecer os resultados das últimas eleições de Maduro em 2018, alegando fraude e falta de transparência.

Maduro, sucessor “cossanguíneo” do controverso e revolucionário ex-líder Hugo Chávez, enfrenta desafios em uma economia em deterioração, com inflação desenfreada devido ao colapso do boom petrolífero do país e a múltiplas crises políticas.

A crise resultou na fuga de mais de sete milhões de venezuelanos do país.

Silenciada

Aos 56 anos, Maria Corina, uma ex-parlamentar, venceu a primária presidencial da oposição com mais de 90% dos votos em outubro. Mesmo com o governo tendo anunciado previamente a proibição de 15 anos em cargos públicos, a candidata participou porque a primária foi organizada de forma independente.

Maria alegou nunca ter recebido notificação oficial da proibição. Em dezembro, ela entrou com uma ação na justiça buscando anular a proibição, mas o tribunal manteve a decisão, alegando fraude e violações fiscais e acusando-a de buscar as sanções econômicas dos EUA à Venezuela.

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