Modelos externos não servem de base para o Brasil regular investimento estrangeiro direto, dizem especialistas

Quinto principal destino desse fluxo financeiro, país debate medidas que visam proteger seus interesses essenciais

O Brasil foi o quinto país que mais recebeu investimento estrangeiro direto (IED) em 2023, com uma entrada de US$ 65,9 bilhões em 2023, segundo dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad). Com poucas barreiras legais, o país é considerado um mercado liberal na captação desse fluxo financeiro, mas o cenário não é definitivo. O debate sobre a necessidade de barreiras mais rígidas vem aumentando, e especialistas ouvidos pela reportagem de A Referência alertam para os prós e contras de uma eventual regulação.

“Esta é uma questão muito importante e que tem atraído muita atenção do governo brasileiro, assim como do setor privado. É verdade que muitos países, especialmente do Norte Global, tem instituído políticas de monitoramento para a entrada de investimentos estrangeiros direito, a fim de salvaguardar interesses essenciais, como os de segurança nacional amplamente entendida”, afirma Fábio Morosini, professor de Direito Internacional na Faculdade de Direito da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

De acordo com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), IED é “a movimentação de capitais internacionais para propósitos específicos de investimento, quando empresas ou indivíduos no exterior criam ou adquirem operações em outro país”. É um formato de investimento que “implica no controle ou influência substancial na gestão do negócio e no aumento do capital social da empresa”, acrescenta o portal financeiro Empiricus, que destaca ainda o caráter “duradouro e significativo” da participação do investidor na empresa.

Notas de yuan e dólar, novembro de 2019 (Foto: Eric Prouzet/Unsplash)

Nos EUA, que lideram o ranking global de entrada de IED com fluxo de US$ 310,9 bilhões em 2023, a regulação cabe ao Comitê de Investimentos Estrangeiros, que em 2018 foi fortalecido pela Lei de Modernização da Revisão de Riscos de Investimento Estrangeiro (FIRRMA). A União Europeia (UE) adotou medida semelhante em 2020, com regras mais rígidas para “identificar, avaliar e mitigar riscos potenciais à segurança ou à ordem pública” gerados pela entrada de IED.

“No Brasil não existe uma legislação específica ou um órgão central que regule o investimento estrangeiro direto”, explica a advogada e mestre em Direito Empresarial Daniela Froener, sócia do escritório Silva Lopes Advogados. “O que se tem é a Lei nº 14.286, de 29 de dezembro de 2021, que determina a prestação de informações ao Banco Central do Brasil de capital estrangeiro no país, para fins de compilação de estatísticas macroeconômicas oficiais”, acrescenta, destacando que não se trata de uma “regulação”.

“Fora isso, o que existe de regulação de IED são situações esparsas, como, por exemplo, a necessidade de o IED ser aprovado pelo Banco Central do Brasil quando se trata de capitais de instituições reguladas. Ou seja, é possível afirmar com tranquilidade que o Brasil adota uma postura liberal quando o assunto é IED”, diz ela.

O fator China

A diferença de postura entre o Brasil e os países desenvolvidos, casos dos EUA e dos membros da UE, pode ser explicada pela postura que cada um deles adota em relação à China.

“Esses mecanismos de monitoramento estão associados a formas de limitar a ascensão global chinesa, em um contexto de disputa pela hegemonia mundial”, esclarece Morosini. “Economias de renda média e média alta têm oferecido respostas variadas, que são influenciadas por questões desde o alinhamento estratégico com a China até a necessidade do investimentos estrangeiro para as suas economias.”

O Brasil se enquadra nesse segundo caso citado pelo especialista. “Nas últimas décadas, o investimento de origem chinesa [no Brasil] tem se somado a investimentos de parceiros tradicionais do Brasil, como os europeus e estadunidenses, que, diga-se de passagem, ainda são majoritários no país”, declara o professor.

O crescimento do IED de origem chinesa no Brasil aquece o debate em torno da necessidade de regulação em Brasília. Morosini e Froener, no entanto, alertam que é preciso tratar da questão considerando as peculiaridades do cenário no país.

“Qualquer regulação pode mais prejudicar do que agregar benefícios ao país. Por fim, por mais que os EUA e a Europa adotem mecanismos mais rígidos quanto ao IED, não me parece que a experiência estrangeira possa nos servir, haja vista a diferença dos mercados em análise”, afirma a advogada.

Morisini concorda. “Penso que o debate é relevante e atual, mas que deve levar em consideração as especificidades do Brasil, sem simplesmente importar modelos estrangeiros que respondem a interesses de outras naturezas”, diz ele. “Precisamos considerar, ademais, os mecanismos que já existem no Brasil e que potencialmente já exercem funções similares àquelas que seriam exercidas por um órgão central.”

Froener, então, destaca um ponto que, na visão dela, é mais relevante que a regulação do IED: o direcionamento do investimento. “Algumas pesquisas sustentam que empresas estrangeiras têm tendência a concentrar os seus investimentos no país em produção de bens e serviços finais”, explica.

Segundo ela, há uma alternativa a ser considerada. “Seria mais benéfico aos países emergentes, que é o caso do Brasil, o recebimento de tais investimentos voltados para etapas intermediárias das cadeias de produção, pois representam maiores ganhos do comércio e maiores oportunidades de inovação tecnológica.”

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